Representatividade LGBTQIA+ precisa ir além das peças publicitárias

Diversidade amplamente divulgada na mídia traz benefícios para aliados, mas esconde marginalização e dores enfrentadas pela comunidade.

Por Rafael Alef, aluno do 3º período de Jornalismo

A representação LGBTQIA+ na TV e no cinema sempre foi escassa. Crescer processando sentimentos e descobrindo a minha identidade foi um processo solitário, em que era praticamente impossível me sentir representado por um personagem gay, porque não existia espaço para tal. Na verdade, existia um único espaço: o de estereótipos irreais.

Hoje, no entanto, campanhas publicitárias pregam a diversidade em um momento benéfico para promover inclusão. No dia do combate internacional contra a lgbtfobia, é só navegar por redes sociais para encontrar novas fotos de perfil com cores da bandeira, peças publicitárias apresentando casais LGBTQIA+ e incontáveis textos sobre a importância da diversidade.

Não me entenda mal, acredito em muitas dessas campanhas, mas em 2021 nenhuma empresa sobreviveria ao apoiar abertamente condutas homofóbicas e isso me faz questionar muitos desses novos espaços, que aparecem principalmente em datas comemorativas e de alto engajamento.

O queerbaiting (ou isca para pessoas LGBTQIA+), não é um fenômeno novo e pode ser facilmente identificado. A controvérsia dessa “representatividade” se tornou uma tática efetiva para atrair novas audiências.

O duo musical russo, t.A.T.u, promoveu, durante sua carreira, a narrativa de que as duas vocalistas, Yulia Volkova e Lena Katina, eram um casal lésbico. Anos depois, desmentiram a história ao assumir tática publicitária de empresários, incluindo uma polêmica entrevista de Yulia, em que a cantora repudiava a ideia de ter um filho gay com comentários homofóbicos.

Séries de TV e produções de cinema são outros exemplos que destacam a presença de personagens da comunidade LGBTQIA+ durante a divulgação que antecede os lançamentos. O hype criado atraí o público que busca representatividade como telespectador, mas que se depara com personagens mal desenvolvidos e irrelevantes.

Em Hollywood, os “momentos gays” são usados para promover inclusão, que ocorre de maneira banal e sem aprofundamento. Foi o caso da personagem Trini, interpretada pela atriz e cantora Becky G, e divulgada como a primeira heroína gay na franquia Power Rangers. Ao longo dos 124 minutos de filme, porém, a ranger amarela somente deixa subtendido que poderia ter problemas com uma namorada, em uma única cena.

Utilizar da cultura queer e se beneficiar com o seu engajamento, mas só se posicionar quando aquilo traz lucros e exposição midiática é problemático. Se o apoio é verdadeiro, é preciso comprar a nossa briga. Ir além das atitudes mínimas e de posicionamentos cheios de frase de efeito com pouca aplicabilidade.

Retrocessos

Mesmo diante de um cenário globalizado e cada vez mais investido de diversidade, o contexto LGBTfóbico é categórico, como expresso no Projeto de Lei 504/20, idealizado pela deputada estadual da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), Marta Costa, do Partido Social Democrático. A proposta tinha por objetivo banir a presença de representações LGBTQIA+ na publicidade, defendendo que a imagem de casais e famílias homoafetivas seriam prejudiciais para a formação infantil.

Grandes marcas como Natura, Coca-Cola e Mastercard foram a público contra a proposta. A deputada Erica Malunguinho, do Partido Socialismo e Liberdade, foi a responsável por apresentar ementa que derrubou a PL 504. Em destaque, na contraproposta da deputada, ficaram vedadas somente a veiculação de materiais com alusão a drogas, sexo e violências explícitas voltados à criança.

A proposta foi só mais um dos constantes ataques a comunidade LGBTQIA+, pautada por um conservadorismo sem fundamento, incentivado inclusive pelos posicionamentos do atual governo. Isso contextualiza as alterações feitas por Erica. Em pleno século 21, ainda somos associados à promiscuidade e a perigos contra a imagem da família.

O economista Gilberto Nogueira, popularmente conhecido como Gil do Vigor, fez uma bateria de aparições em programas da Rede Globo após sua participação histórica na última edição do Big Brother Brasil. Ao mesmo tempo, sofre ataques homofóbicos diariamente.

Em uma série de áudios vazados, o conselheiro do clube pernambucano Sport Club, Flávio Koury, despejou homofobia ao criticar uma aparição de Gil na Ilha do Retiro, estádio do clube. O motivo? Gil, que é torcedor do rubro-negro, fez a dança “tchaki tchaki”, sua marca registrada, no campo.

“Isso é uma desmoralização. Isso é ausência de vergonha na cara. É isso que a gente está vivendo. Esses tempos novos, é isso. Não tem mais respeito. É a depravação” disse Flávio.

O clube rapidamente se posicionou a favor de Gil, colocando os jogadores em campo usando camisas em sua homenagem, e anunciando doação para o Instituto Boa Vista, ONG focada em pautas LGBT. No entanto, o mais importante ainda não aconteceu. Mesmo com forte cobrança de posicionamento, a permanência do conselheiro no clube permanece em análise, com processo em andamento pelo Conselho Deliberativo.

Há algumas semanas me pego lembrando de uma frase dita pela influenciadora digital Camilla de Lucas, em um programa ao vivo do BBB21. Camilla, visivelmente abalada, desabafou sobre os constantes ataques racistas sofridos pela comunidade negra após um posicionamento do apresentador, Tiago Leifert, sobre um caso de racismo no reality.

“As pessoas falam ‘ah é mimimi’ e já estão cansadas de ouvir isso. Se é cansativo para vocês ouvirem, eu estou cansada de viver. Estou cansada de ficar explicando isso para todo mundo”, desabafou.

A frase não sai da minha cabeça porque sintetiza perfeitamente o que é ser parte de uma comunidade marginalizada pela sociedade. Representatividade em campanhas publicitárias e produções da TV é o mínimo. Respeito e mudanças efetivas quanto ao número de pessoas LGBTQIA+ assassinadas todos os dias no Brasil é o que eu realmente gostaria de ver.

Em mais um dia 17 de maio, Dia Internacional contra LGBTQIA+fobia, me encontro feliz pelas vitórias da comunidade que me acolhe e triste pelas dores que ainda carregamos. O sentimento agridoce é cultivado quando, mais uma vez, precisamos fazer movimentos para defender nossa existência. Quando precisamos cobrar, de forma incansável, que nos enxerguem. Quando precisamos sofrer para ter o mínimo dado a nossos irmãos heterossexuais com tanta facilidade.

Por isso te convido a refletir sobre o seu lugar de aliado: você está por nós ou se beneficiando por nós?



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