A importância da preservação dos sebos

Com décadas de história, pequenos acervos e livrarias protegem a memória editorial do país.

Por Rafael Alef, aluno do 5º período de jornalismo

Livros raros e antigos, cds, dvds, vinis, revistas e gibis clássicos. Todos esses artigos são facilmente encontrados em um bom sebo ou alfarrabista. Em sua maioria espalhadas pelas cidades, as pequenas livrarias carregam histórias que ultrapassam as páginas de seus exemplares – seu principal produto – e, diferente da percepção de parte da sociedade, prezam pelo zelo e são importantes contribuintes para manter aquecido o mercado literário.

Popularizado na década de 60, o termo sebo rendeu, ao longo dos anos, diversas teorias sobre sua real origem. Para alguns, o nome foi dado pela utilização de velas como auxílio para iluminação durante o processo de leitura, antes da energia elétrica e que, com o tempo, ao derreterem e caírem sobre as páginas, deixavam os livros ensebados. Para outros, a origem da palavra vem do estado de conservação dos livros seminovos e que, por serem constantemente manuseados por diferentes leitores, ficavam ensebados com o suor das mãos.

Seja qual for a verdadeira história de seu nome, tais acervos se tornaram importantes pilares no mundo literário e são constantemente referenciados por facilitarem e incentivarem o acesso à leitura, além de preservarem diversos exemplares físicos que já não são produzidos e estão fora de circulação no mercado editorial.

A singularidade da experiência

Os benefícios proporcionados pelos sebos são muitos, e a sua preservação torna-se importante, em especial, para aqueles que ainda apreciam a leitura de um bom livro físico. Durante a busca por novas histórias, leitores encontram dedicatórias antigas, marcações com pensamentos de antigos donos sobre cada passagem lida e até mesmo autógrafos de autores e leitores famosos. São memórias que vão além do tempo e do espaço.

O hábito de deixar anotações especiais em cada livro é uma das principais características dos apreciadores de um bom acervo. Durante a venda ou troca de títulos literários, os comentários breves e trechos demarcados durante a leitura criam uma história paralela no ritual de passagem dos exemplares. Em 2012, a mineira Mariana Gogu criou o projeto “Eu te dedico”, no Instagram e no Tumblr, e desde então compartilha, frequentemente, com os quase 30 mil seguidores, as dedicatórias encontradas em livros espalhados pelos sebos da cidade.

Semelhante ao projeto, a jornalista e gestora de comunicação e marketing mineira, Giulia Staar Ghignone, moradora do bairro Sagrada Família, em Belo Horizonte, criou o hábito de escrever dedicatórias sempre que presenteia alguém com um novo livro. Pensando em futuros leitores que podem encontrar os exemplares de livros que já passaram por suas mãos, Giulia espera que um dia aquela breve anotação deixe uma marca especial para um leitor desconhecido.

“É uma coisa mágica pegar um livro e se deparar com uma obra cheia de anotações esquecidas e dedicatórias poéticas. Os livros encontrados nos sebos são mais do que as histórias que eles contam por si só. Envolvem as histórias de seus antigos donos também”, explica.

Cliente assídua desde a infância, a jornalista sempre frequentou os sebos da capital mineira e, ao lado da mãe, transformava as visitas em uma verdadeira caça ao tesouro. Em busca de livros clássicos com a capa dura, encadernamento mais resistente feito com papelão e design específicos, passou a contribuir para a rotatividade de exemplares, importante para a preservação do segmento.

“Hoje, não troco tantos [livros], mas quando era mais nova, minha mãe e eu passamos a vender ou doar alguns dos livros de nossa biblioteca pessoal que já não queríamos mais”, relembra Giulia.

O processo de troca ou venda de exemplares já lidos, ou que estão parados na estante de casa, enriquece ainda mais a experiência e a preservação de um sebo. Os visitantes, muitas vezes, sequer sabem o que procuram, mas durante as passagens por esses locais, deixam e coletam histórias, são submetidos a experiências imersivas e atribuem a isso a grande motivação para não deixar de conferir os espaços espalhados pelas cidades.

Para o professor da Escola de Ciência e Informação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), José Francisco Guelfi Campos, as grandes livrarias tradicionais já podem ser associadas a pontos turísticos, em que os visitantes são verdadeiramente atraídos por cafés e pequenos restaurantes, e não pelos livros vendidos por ali. Por outro lado, o professor acredita que o diferencial dos sebos é oferecer uma experiência mais acolhedora e aconchegante para o seu público consumidor, em que as grandes estruturas e projetos arquitetônicos não são a prioridade.

“No sebo, mesmo com algumas divisões para organização, o ambiente te convida a explorar. Não sinto essa coisa do garimpo em livrarias mais tradicionais. É uma proposta diferente e mais estimulante”, pondera o professor.

A bibliotecária Lorena Jeanne Nolasco Demétrio, moradora do bairro Bom Jesus, na Região Noroeste de Belo Horizonte, passou a visitar os sebos da capital mineira ainda nos tempos de estudante. Ela procurava por um exemplar do livro Iracema, escrito por José de Alencar e publicado pela editora Typ. de Viana & Filhos em 1865.

“Precisava de um exemplar para um trabalho na escola e o número de livros disponíveis na biblioteca não era suficiente para a quantidade de alunos”, recorda.

Migração para o mercado digital

Em meio às evoluções tecnológicas e, recentemente, ao isolamento social imposto em decorrência da pandemia da Covid-19, grande parte dos sebos e pequenas livrarias espalhados pelo país precisaram investir em presença digital, com atendimentos realizados através de redes sociais ou WhatsApp, para se manterem vivos mesmo com as portas fechadas.

No Estante Virtual, portal brasileiro com um acervo de cerca de 2.600 sebos e livrarias de todo o Brasil, são cerca de 20 milhões de exemplares à venda para os quase 6 milhões de leitores cadastrados. De acordo com um estudo divulgado pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) em 2021, dados levantados pela Nielsen BookScan apontam um crescimento de 39,9% no faturamento de exemplares quando comparado ao ano anterior. Somente no primeiro semestre de 2021 foram quase 30 milhões de livros vendidos.

Mas quem é adepto da compra e troca de exemplares não abre mão da boa e velha aquisição física. Além da oportunidade de apoiar os pequenos empreendedores do segmento e conversar pessoalmente com quem sabe muito sobre a diversidade de materiais, quem frequenta esses espaços tem acesso a preços mais acessíveis para a compra de livros seminovos e em bom estado de conservação.

Ao longo dos anos, a bibliotecária Lorena Jeanne não perdeu o gosto pela busca por novas obras e, mesmo sendo defensora do contato tátil durante a compra, também não abriu mão das facilidades oferecidas pela compra digital. Lorena relembra que, através do site Estante Virtual, encontrou, de pois de uma busca incessante, um exemplar do livro Love Letters of Great Men (em tradução literal, Cartas de Amor de Grandes Homens) em um sebo na cidade de São Paulo.

“Me lembro de ficar muito curiosa depois de ouvir sobre o livro enquanto assistia o filme Sex and the City, lançado em 2008, mas não encontrei nenhum exemplar para compra”, explica Lorena.

Para a jornalista Giulia Staar Ghignone, as duas formas de compra, online e presencial, são interessantes e variam muito do tipo de leitor e do que ele busca. A agilidade e a praticidade presentes na compra digital deixam o processo mais solitário, mas cumprem o objetivo de adquirir uma nova obra em tempo hábil. Já no processo de uma compra presencial, a visita a um sebo pode render encontros com os outros leitores apaixonados por livros e ser um programa de lazer que vai além da simples aquisição.

“Cada obra que existe ali [nos sebos] já passou pela mão de alguém e carrega uma história consigo. Gosto de sebos justamente porque eles me proporcionam a oportunidade de me conectar com outros leitores, até mesmo aqueles que existem em tempos e espaços diferentes dos meus”, explica a jornalista.

Apesar dos 30 milhões de livros vendidos de maneira online no Brasil, a preferência pela experiência da compra
presencial ainda atrai os apaixonados por leitura. Imagem: Freepik.
A preservação dos sebos associada à leitura

Paralelamente à imersão proporcionada pelo espaço, os sebos cumprem um importante papel na democratização da leitura e no consumo sustentável responsável. Contudo, a falta de um hábito ou interesse pela leitura em massa por parte da população brasileira, muitas vezes, desconsidera os benefícios encontrados em espaços como esses. Segundo pesquisa da Opinion Box, voltada para a compreensão do comportamento de leitores no Brasil, somente 44% dos brasileiros leem por gosto pela literatura.

Para o professor José Francisco, existe um baixo interesse pela leitura até mesmo em alunos de graduação e pós-graduação. Segundo ele, muitos se limitam somente às leituras obrigatórias e perdem a oportunidade de expandir vocabulários, aprimorar a escrita e ter uma visão de mundo mais ampla.

“Me questiono sobre o quanto as ações de lugares como os sebos, com livros mais baratos e possibilidades de atrair uma parcela significativa da população, podem ser efetivas com essa grande falta de interesse pela leitura”, pondera o professor.

Essa variação nos hábitos de leitura também impacta a preservação dos acervos literários. Se menos pessoas leem, menos pessoas compram ou trocam exemplares nesse espaço, que apesar da grande carga de afetividade, memória e significado simbólico, ainda é um negócio.

Para o professor José Francisco, a melhor forma de contribuir para a manutenção e proteção dos sebos é incentivar o consumo e desmistificar pensamentos preconceituosos de quem ainda acredita que só é bom se for algo novo.

“Acredito que a preservação dos sebos está diretamente ligada ao incentivo à compra de artigos no local, para que, em meio às transformações naturais da sociedade, seja transformada a forma que ele oferta e não o que ele representa”, reflete.



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