Apenas 31% dos brasileiros praticam o consumo consciente

Bons hábitos levam em consideração a moda, o meio ambiente e o combate à pirataria

Por Fernanda Freitas e Sarah Aquino

A sociedade contemporânea é rotulada por acadêmicos, intelectuais e profissionais de diversas áreas como a sociedade do consumo. Nesse sentido, Lívia Barbosa, em seu livro Sociedade de Consumo, expõe algumas abordagens para definir tal termo. Uma delas trata da alta taxa de consumo e descarte, produção em massa para as massas, presença da moda e sentimento permanente de insaciabilidade. Com o processo de globalização e o mundo capitalista neoliberal, acaba-se criando uma ideologia concisa baseada nas relações de consumo, formando-se, assim, a cultura do consumo, uma esfera da vida social. O forte impacto da internet nas culturas ocidentais, interligado a esses fatores, faz com que as instituições sociais, como religião e Estado, agreguem esse novo comportamento e passem a influenciar o consumo. Esse incentivo acarreta no consumismo, que é considerado um desejo impulsivo, descontrolado, irresponsável e, muitas vezes, irracional.

O QUE É CONSUMO CONSCIENTE

As redes sociais digitais inflamaram uma tendência de superexposição de seus usuários. Mas muitas pessoas, numa tentativa de fugir da realidade insatisfatória, acabam criando uma vida digital paralela, onde só são ostentados seus ‘melhores momentos’. A melancolia que sentimos ao usar o Instagram não é à toa, pois é a rede mais nociva à saúde mental, principalmente para os jovens, como mostra pesquisa da Royal Society for Public Health, do Reino Unido.

Para suprir o anseio de se sentir parte da wonderland digital, somos influenciados a adquirir diversos produtos para criar identificação com aquilo, alimentando uma cadeia consumista em busca da ostentação. A pesquisa também mostrou que as redes sociais são mais viciantes que álcool e cigarro, daí a dificuldade de abandoná-las. Mas esse mesmo ambiente insalubre pode fazer surgir e impulsionar debates importantes para a sociedade. Se há ostentação, há a conscientização sobre os impactos desse estilo de vida e sobre o que é o consumo consciente. Mas, afinal, o que é consumo consciente? É, primeiramente, a percepção às consequências, boas ou ruins, do consumo de todos os produtos e serviços. Não é possível consumir sem causar impactos, contudo, escolhemos a forma de impacto que causamos na natureza, nas pessoas envolvidas com o que consumimos e na sociedade. A importância de levarmos uma vida mais sustentável é reforçada todos os dias nas redes sociais, já que as consequências de hábitos consumistas nos trouxeram a uma crise climática e à breve escassez de recursos.

Usando ferramentas como Instagram e YouTube, foi possível compartilhar informações sobre consumir de maneira consciente e as responsabilidades dessa prática.

UM PANORAMA DO BRASIL

Segundo dados do Banco Mundial, o 4° maior produtor de lixo plástico no mundo é o Brasil, gerando 11.3 milhões de toneladas por ano, ficando atrás dos Estados Unidos, China e Índia. Mesmo com grande parte desses resíduos sendo coletada, apenas 1,28% é realmente reciclada, já que há perdas na separação de tipos de plásticos, por motivos como estarem contaminados, serem multicamadas ou de baixo valor.

Com base nesses dados, a ONG World Wide Fund for Nature fez um levantamento que apontou uma produção média de aproximadamente um quilo de lixo plástico por habitante a cada semana no país. Pensar em substitutos para o plástico já não é difícil, o uso de outros materiais recicláveis e reutilizáveis, como o canudo de metal, são alternativas comuns, porém não são alternativas economicamente acessíveis.

Em um país desigual como o Brasil, produtos sustentáveis são um luxo para poucos. A questão financeira é o que mais pesa na adoção de práticas de consumo responsável. Mesmo 98% da população considerando adoção de melhores hábitos de consumo, a minoria os coloca em prática, como revelou uma pesquisa da Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas (CNDL) e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC). Realizada em 2018, a pesquisa ouviu consumidores de todos os estados brasileiros e traçou o perfil da população referente às boas práticas de consumo.

Por Lorena Gomes

Apesar dos dados apontarem para a pequena parcela de brasileiros que trazem o consumo consciente para o dia a dia, a pesquisa traz dados interessantes sobre como há um movimento para mudar essa realidade. Foram separados três grupos de perfis de consumo: consumidor nada ou pouco consciente – não possui bons hábitos de consumo; consumidor em transição – possui bons hábitos de consumo, mas não o desejável; e consumidor consciente.

A maioria dos cidadãos entrevistados se encaixa no grupo de ‘consumidores em transição’, representando 55% dos entrevistados. O grupo de ‘consumidores nada ou pouco conscientes’ representa 14%, enquanto os ‘consumidores conscientes’ somaram 31% dos dados. Os dados foram utilizados no Índice de Consumo Consciente (ICC), que fechou em 73% – em um índice que vai de 0 a 100% -, e teve alta de 1% com relação ao ano anterior (2017).

NÃO VALE TUDO

Consumir conscientemente não está ligado apenas ao valor e qualidade dos produtos. Também é preciso ficar atento às indústrias que utilizam trabalho escravo e financiam organizações criminosas, além de prejuízos ao meio ambiente. Ser consciente também é não financiar o mercado ilegal.

Financeiramente, o controle do gasto familiar no Brasil incorpora hábitos que ajudam a poupar dinheiro, como fazer em casa serviços que poderiam ser contratados. E visando a economia, 58% dos entrevistados admitiram que compram produtos falsificados com frequência.

Mas essa economia tem um custo alto para as empresas, governo e principalmente para o consumidor que, ao adquirir produtos sem nenhuma procedência, pode colocar sua segurança e saúde em risco. Além disso, o consumidor não terá suas garantias asseguradas pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), uma vez que a compra foi feita na ilegalidade.

Um levantamento do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP) mostrou que o Brasil perdeu, em 2019, R$291,4 bilhões com a venda de produtos ilegais em 15 segmentos distintos. Os setores que mais tiveram prejuízos são de vestuário, higiene pessoal, perfumaria e cosméticos, e combustíveis. Os valores somam o preço dos produtos e impostos.

Por Lorena Gomes

As perdas bilionárias correspondem a, no mínimo, 7,85% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. A média para países latino-americanos é de 2%, conforme estimativa da Aliança Latino-Americana Anticontrabando (ALAC). Um dos setores mais afetados é o dos cigarros, 57% do produto no país é de contrabando.

CONSUMIR COM INTELIGÊNCIA

Os recentes períodos de crise influenciaram na adoção de bons hábitos de consumo, conforme afirma o educador financeiro José Vignoli. “A crise, ainda que à força, vem ensinando aos brasileiros muitas lições valiosas sobre economizar e pesquisar antes de sair comprando. Não se trata de simplesmente frear o consumo, mas sim de entender que é preciso comprar com inteligência”.

Esta é uma tendência que pode ganhar cada vez mais força, principalmente pelo período de turbulência que a pandemia do novo coronavírus causou na economia mundial. E também pelo maior debate ambiental propiciado por episódios recentes da degradação do Pantanal e Amazônia pelas queimadas.

A pesquisa da CNDL também abordou a adoção de hábitos sustentáveis ambientalmente como consumo de água, energia e uso de lâmpadas LED. Fechar a torneira enquanto escova os dentes, ensaboar a louça com a torneira fechada, não lavar calçada com mangueira e controlar a conta de água foram hábitos apontados por mais de 80% dos entrevistados.

Quanto ao uso da energia elétrica, apagar luzes quando não há ninguém utilizando, controlar o valor da conta e passar roupas apenas em quantidades consideráveis também somaram mais de 80% dos cidadãos. A adoção de lâmpadas de LED, 73%, e a verificação do consumo de energia dos eletrodomésticos, 76%.

Por Lorena Gomes.
MODA CONSCIENTE

 A busca da indústria da moda por ser mais sustentável é urgente. Sozinha, a moda é responsável por algo entre 8% e 10% das emissões globais de gases-estufa, é o segundo setor da economia que mais consome água e produz cerca de 20% de águas residuais do mundo. Segundo o Relatório da Indústria da Moda, em 2015, o setor consumiu 79 bilhões de metros cúbicos de água, além de liberar 500 mil toneladas de microfibras sintéticas nos oceanos anualmente. O consumo de peças de vestuário atualmente chega a ser, em média, 60% a mais do que há 15 anos, sendo que o tempo que cada peça permanece no armário caiu pela metade.

 

Por Lorena Gomes.

A preocupação fez com que a Organização das Nações Unidas (ONU) criasse a “Aliança das Nações Unidas para a Moda Sustentável”, que tem como objetivo apoiar a coordenação entre os órgãos da ONU que trabalham no setor e promover projetos e políticas que garantam que a cadeia da moda contribua para o alcance das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

Consumir “moda consciente” não é, necessariamente, sobre escolher um produto eco-friendly, mas sim sobre ser consciente do que se está comprando. “A moda consciente parte da premissa de que há uma racionalidade criativa e de gestão, em função de um olhar apurado do entorno. Já a moda sustentável gera meios para que ações sustentáveis sejam promovidas, em relação à matéria-prima, pessoas, controle financeiro, dentre outros”, afirma Flávia Virgínia, coordenadora da pós-graduação em Moda e Inovação do UniBH.

Saber de onde as peças vieram, quem as fabricou e em quais condições, do que ela é composta e como essas fibras foram produzidas faz parte de se estar consciente, e são objetivos do movimento global Fashion Revolution, que visa uma indústria da moda mundial que conserva e restaura o meio ambiente e valoriza as pessoas acima do crescimento e do lucro. O movimento incentiva as pessoas a buscarem informações sobre suas roupas, transparecendo os impactos das peças que consumimos, levando as marcas a se preocuparem com seus produtos.

A busca por uma moda consciente deu origem a marcas como a PódeSim, de Belo Horizonte, que cria acessórios a partir de resíduos têxteis. “Depois de várias pesquisas para descobrir um problema em potencial, nos deparamos com os impactos negativos da moda no planeta. Foi um choque. E não existia gerenciamento de resíduo têxtil no Brasil. Isso brotou em nós uma vontade muito grande de resolver esse problema”, afirma Grazy Mendes, uma das três fundadoras da marca. Todos os descartes de tecidos são passíveis de reaproveitamento, mas alguns tecidos, principalmente os de fibras sintéticas, não podem ser reciclados, porque ainda não existe tecnologia para esse processo. Contudo, nada impede que sejam reutilizados. “O principal ponto é impedir que o resíduo vá parar no aterro sanitário”, conclui a empresária.

A mudança necessária na indústria fashion começa a partir do momento em que há investimento na educação das pessoas, pois assim a demanda vai se alterar nas mais diversas cadeias. “Acredito que a demanda só virá quando percebermos que a sustentabilidade não deve ser uma etiqueta de separação de classes, como tem sido pautada, mas uma questão social e cultural, articulada a políticas públicas”, afirma a professora Flávia Virgínia.

“Existem frentes de economia colaborativa, design circular e redesign, para citar algumas. O slow fashion, que é moda lenta, ou seja, o contrário da fast fashion, ou moda rápida, diz sobre uma moda que é feita no seu tempo, usando de recursos e técnicas menos mecanizadas e, consequentemente, geram menos impacto ao meio ambiente e agregam para si um valor de manufatura completamente diferente da roupa feita em série”, finaliza Flávia.

Rever as práticas dessa indústria se tornou fundamental com o “boom” das fast fashions, somado aos escândalos da mão de obra escrava, à crise climática, ao maior acesso à informação e à uma geração de pessoas que visa propósito.

 



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