Por André de Paula, aluno do 8° período de Jornalismo do UniBH
Que alguns produtos culturais envelhecem melhores que outros já é fato. Mas quando falamos de obras audiovisuais estamos nos referindo a um arsenal quase infinito que dificilmente irá desaparecer com o passar dos anos. Pelo contrário, com tantas franquias e produções sendo disponibilizadas através das plataformas digitais, muitos filmes, documentários e séries voltam a ver luz do dia e, logo, são colocados em nova perspectiva e à disposição de um novo mundo, novos contextos e possibilidades.
Eis que surge um obstáculo, o famoso “cancelamento”, o termo que vem tomando moldes de uma cultura própria ultimamente, sendo sistematicamente adotado e, ao mesmo tempo, criticado por inúmeros grupos e ambientes. Sabendo disso, produtos que tiveram sua criação e lançamento em tempos em que os gigantes do entretenimento ainda tinham certo desleixo por suas responsabilidades políticas encontram dificuldade em serem distribuídos nos dias de hoje.
Com o recente lançamento da mais nova plataforma de streaming da Disney, o Disney+, a bilionária do entretenimento vai disponibilizar seus títulos, dos clássicos aos lançamentos mais recentes. Até então parecia uma decisão fácil de se tomar, onde nada poderia dar errado, afinal: um catálogo que engloba animações com mais de 80 anos só poderia ser um grande ganho para os apaixonados por ficção e pelo rico acervo da Disney. Porém, nos primórdios da existência da empresa, em meados dos anos 20, os produtos da Disney eram claramente racistas e usavam de caracterizações estereotipadas, ofensivas e tendenciosas de pessoas negras e outras etnias em suas produções.
Pode-se pensar que, por se tratar de um material tão antigo, algumas produções pudessem ser “perdoadas” por apresentar um ou outro conteúdo de maneira antiquada, mas quando nos referimos a alguns casos estamos lidando com cenas que apresentam indígenas como animais ou como pessoas totalmente ignorantes, como é mostrado em Peter Pan, de 1953, ou em Dumbo, de 1941, onde celebram performances que exaltam o “blackface”, uma modalidade racista muito popular no showbiz nos anos 40. Entre empurrar tais obras para o esquecimento ou simplesmente disponibilizá-las sem qualquer esclarecimento, a Disney encontrou uma saída nova no ramo dos streamings.
A plataforma agora conta com um aviso para sinalizar sobre a sensibilidade dos conteúdos problemáticos. Antes da reprodução dessas mídias, é exibido o seguinte texto: “Este programa inclui representações negativas e/ou maus-tratos de pessoas ou culturas. Esses estereótipos eram incorretos na época e continuam sendo incorretos hoje em dia. Em vez de remover esses conteúdos, queremos reconhecer o impacto nocivo que eles tiveram, aprender com a situação e despertar conversas para promover um futuro mais inclusivo juntos. A Disney tem o compromisso de criar histórias com temas inspiradores e motivadores, que reflitam a diversidade da experiência humana no mundo todo. Para saber mais sobre o efeito dessas histórias na sociedade, acesse www.Disney.com/StoriesMatter”
Apesar de não dizer com clareza a questão problemática presente em cada filme, o aviso está presente em todos os conteúdos possivelmente ofensivos dentro do catálogo. No conflito entre censurar obras clássicas e de grande importância para o registro histórico do cinema e das animações, ou se omitir diante das suas problemáticas, acredito que a Disney tomou uma escolha pedagógica e equilibrada para que tais assuntos possam ser revisionados. Elementos como esse serão para reafirmar o repúdio a representações culturais desatualizadas, bem como iniciar o debate sobre as responsabilidades que as narrativas têm sobre os discursos que escolhem reforçar entre crianças, jovens e adultos que possam ter contato com essas obras.