Ritmo nacional segue cruzando fronteiras e já seria um fenômeno global com o apoio do governo e da classe elitista.
Por Rafael Alef, aluno do 3º período de Jornalismo
Vivendo minha adolescência nos anos 2000, era impossível não conhecer o funk. Grandes sucessos como Malha Funk, do Bonde do Tigrão, e Boladona, de Tati Quebra Barraco, embalaram os intervalos na escola e nas festas de família, em que o importante era dançar até não aguentar mais.
Com o passar dos anos, o gênero que chegou ao Brasil inspirado pelo jazz e pelo soul do funk americano seguiu em constante evolução. Foi moldado pelo lançamento de Funk Brasil o primeiro álbum de DJ Marlboro, pioneiro do funk carioca. Novos subgêneros surgiram, como o funk pop e o funk ostentação. O gênero também impactou a moda brasileira, com as correntes, bonés, óculos, shorts e saias curtas de seu público consumidor, e se consolidou como um produto cultural brasileiro, chegando em um campo competitivo: a indústria da música internacional.
Durante sua apresentação na 63ª edição do Grammy Awards 2021, a rapper americana Cardi B surpreendeu o público com uma rápida mudança no instrumental da faixa “WAP”. O remix, instantaneamente reconhecido por nós brasileiros, foi assinado pelo DJ carioca Pedro Sampaio, e levou para a audiência da premiação um dos ritmos mais populares do Brasil: o funk.
Se engana quem pensa que essa foi a primeira aparição do ritmo fora do país. Nomes como J Balvin, Jennifer Lopez e até mesmo a rainha do pop Madonna já se aventuraram nas batidas do funk carioca.
A apresentação da rapper rendeu controvérsias, envolvendo críticas a sensualidade no palco e ao conteúdo explícito da faixa. No Brasil foi diferente: aqui o debate que ganhou força foi sobre como o funk é visto fora do país. O produtor musical Rick Bonadio, conhecido por trabalhos com os grupos nacionais Mamonas Assassinas e Rouge, publicou uma serie de posts no Twitter, com críticas sobre a comemoração do remix, afirmando que o Brasil precisa exportar música boa e não esse “fica de quatro”.
As declarações do produtor são para dizer, no mínimo, incoerentes. O Brasil já exporta música boa e os hits do funk são exemplo. Em dados divulgados pela pesquisa do DeltaFolha no fim de 2019, o funk já figurava como o ritmo brasileiro mais consumido fora do país.
No Youtube, os dois vídeos nacionais com mais visualizações são videoclipes do ritmo musical, Bum Bum Tam Tam de Mc Fioti (1.630.681.915 visualizações) e Olha a Explosão de MC Kevinho (1.140.549.503 visualizações). Ambos lançados pelo Canal Kondzilla, o maior canal de funk no mundo, que já se aproxima da marca de 35 bilhões de acessos.
O funk poderia ser para o Brasil o que o K-Pop é para a Coréia. Movimentando a economia, o estilo musical coreano rende quase 5 bilhões por ano, e teve investimento massivo do Ministério da Cultura no país. Aqui, o processo funciona de maneira mais orgânica. Muitas das aparições internacionais surgem do engajamento dos fãs brasileiros ou do interesse de artistas gringos com o Brasil.
Essa falta de apoio em nosso país é fruto de uma marginalização, perpetuada por nomes influentes da música nacional e pelo governo, que contribuem para a construção de narrativas como a de que o funk faz apologia ao crime, à promiscuidade ou é um perigo para crianças e adolescentes. Na verdade, o funk salva vidas.
Com 3 décadas de história, o funk brasileiro merece um lugar de orgulho ao representar um país de verdade, sendo tão importante quanto o futebol ou o carnaval. É uma representação social da realidade das favelas e esse reconhecimento importa. “Eu canto funk e proibidão, mas eu gero empregos, pago imposto e mantenho a comida na minha casa com letras do proibidão”, disse a cantora Valesca Popozuda, em suas redes sociais, ao pedir respeito pelo gênero musical.
Atualmente o que não faltam são representantes do gênero adentrando à indústria internacional. Nego do Borel estreou na parada americana da Billboard entre as músicas mais populares do país. Ludmilla fez parte da trilha sonora do desfile Savage x Fenty, linha de grife da cantora barbadense Rihanna, com o funk Malokeira. Anitta prometeu no palco do festival VillaMix, em 2016, que faria o funk ser respeitado em nosso país e foi além. Recentemente, foi a estrela do show de réveillon da Times Square, cantando sucessos do ritmo brasileiro como Vai Malandra.
O funk não é perfeito, e pode sim ter conteúdo lírico repetitivo ou não agradar a todos os públicos, mas é inadmissível diminuir sua história e impacto. Fora do Brasil, não existe nada como o gênero e, no dia que, como sociedade, acreditarmos em seu potencial, vamos presenciar uma verdadeira revolução do que é a música brasileira.