Futebol, religião e política se discutem e se misturam

Três dos assuntos mais discutidos e polêmicos no país são vistos, com frequência, juntos, dentro e fora dos gramados.

Por Luís Otávio Peçanha, aluno de Jornalismo do UniBH

“Futebol, religião e política não se discutem!”. Essa frase é extremamente conhecida no país. Essa máxima diz respeito a assuntos que são estritamente pessoais, por isso torna-se tão difícil desenvolver uma discussão. Mas, na realidade, quando avaliamos o cenário do futebol, a frase pode ser alterada para: “futebol, religião e política se discutem e se misturam sim”.

O futebol, que é composto primordialmente por seres humanos, vai conter, de forma intrínseca, essas características, desde a criação de um clube até a manifestação das torcidas nas arquibancadas, com faixas, gritos e com hinos. Tudo isso faz parte da construção da identidade de um clube, da sua ligação com sua origem, seus fundadores, seu povo e sua cultura.

É comum encontrarmos pessoas que definem o esporte por suas competições, pelos grandes jogadores, jogadas geniais, a atmosfera criada pela torcida, as camisas históricas duelando entre si dentro de campo e tudo que, somado, se complementa no show que é o futebol.

Mas, ao mesmo tempo, é possível enxergar uma certa dificuldade em assimilar como os demais assuntos estão presentes no futebol e como eles complementam ainda mais sua grandeza. Por isso, neste artigo, vamos lembrar de histórias e episódios marcantes do mundo da bola para exemplificar essa mistura.

O clássico Old Firm

A cidade de Glasgow, a maior da Escócia, é berço de dois dos maiores clubes do país: Rangers e Celtics. “Old Firm”, ou velha firma, é o apelido dado a um dos clássicos mais antigos do futebol mundial, com mais de 420 partidas disputadas, sendo a primeira datada em 28 de maio de 1888.

O embate é marcado não só pela grande rivalidade existente entre os clubes, mas também pelas questões extracampo, mais especificamente, as questões político-religiosas que envolvem o duelo.

Uma das questões mais conhecidas pelos adeptos do futebol é o embate religioso que afasta os dois clubes, mesmo que da mesma cidade. O Celtic é um time que carrega a identidade católica, já os Rangers carregam a identidade protestante, clube inclusive mais restrito que seus adversários com a representatividade de atletas.

Durante o século XX, havia um boato que dizia que os Rangers não aceitavam atletas que não fossem protestantes na equipe, o que não era verdade. Porém, após a Primeira Guerra Mundial, o clube passou a adotar uma medida mais restritiva, aceitando atletas não-protestantes, desde que eles não manifestassem sua fé. Um episódio que ficou marcado na história do embate foi pauta de um vídeo do canal Peleja, no YouTube. No quadro Radar Peleja, há uma imagem em que um jogador do Celtic fez um sinal da cruz enquanto estava em frente à torcida rival.

Rangers e Celtic em campo, a maior rivalidade do futebol escocês. Foto: Vagelis Georgariou/Action Plus.
Fronteiras políticas

O ano é 2019, mais especificamente final de maio. A final da Europa League, segundo maior campeonato de clubes do mundo, estava prestes a acontecer, e para os adeptos ao esporte, um presente maior ainda: a final seria um clássico londrino.

Arsenal e Chelsea, dois grandes clubes de Londres, se enfrentariam na partida que decidiria o campeão da competição na temporada 19/20, porém, para um dos destaques do Arsenal, o cenário não era tão favorável assim. O jogador Henrikh Mkhitaryan, meio-campista armênio, sofreu, ali, um dos momentos mais frustrantes de sua carreira como jogador.

A União das Associações Europeias de Futebol – UEFA, organizadora da competição, decidiu sediar a final em Baku, no Azerbaijão, cidade que tem conflitos históricos com a Armênia, país de origem do jogador. Os conflitos existem desde os primórdios da União Soviética e se devem pela disputa de um território que se encontra entre os dois países, Nagorno-Karabakh.

O ódio entre as partes é tanto que existe uma proibição de armênios entrarem no Azerbaijão, fato que assustou o jogador. Mesmo após várias conversas entre UEFA e a federação do país, que asseguravam a segurança do atleta, Mkhitaryan divulgou, por meio de um tuíte, a decisão de não jogar a final por medo da situação.

Esses episódios são apenas alguns exemplos de como questões político-religiosas são presentes no esporte, como elas fazem parte do espetáculo. Um questionamento que vale a pena ser levantado, quando pensamos na presença de tais assuntos, é o futebol como palco de tais manifestações e, também, como um local em que tais questões podem ter uma maior visibilidade, por se tratar do esporte mais assistido do mundo.

Henrikh Mkhitaryan, meio-campista armênio. Foto: Getty Images.
Visibilidade traz responsabilidade

O futebol, por ser o esporte mais assistido do mundo, é composto por atletas que são conhecidos mundialmente, até por pessoas que não acompanham o esporte, e clubes que também seguem a mesma linhagem, tendo uma responsabilidade gigante com sua imagem e com o que defendem.

Mario Marra, comentarista esportivo dos canais ESPN e ESPN Brasil, explica que uma das maiores capacidades do futebol é a de promover debates, despertando um senso crítico em pessoas que não têm tanto conhecimento ou conexão com determinados assuntos. “O principal fator é dar luz a movimentos sociais, causas humanitárias e ações positivas”, afirmou.

O futebol nada mais é do que um reflexo da nossa sociedade, logo, muitas coisas que acontecem na vida real são carregadas para dentro do esporte. Por conta disso, infelizmente não é preciso pensar demais para se recordar de episódios negativos como intolerância religiosa, racismo, xenofobia, homofobia e intolerância política, e engana-se quem pensa que tais atrocidades acontecem apenas em ligas “inferiores” ou menos conhecidas.

As maiores ligas e competições do mundo já foram palco para inúmeras agressões, ações que ultrapassam qualquer tipo de provocação de jogo e que alcançam o nível de crime. Visto isso, cabe aos clubes e aos jogadores, que também se encaixam como celebridades, influenciadores e formadores de opinião, aturarem e se manifestarem de maneira convicta.

“As manifestações [de jogadores e clubes] são bem-vindas, devem ser estimuladas, o problema sério é que muitas vezes elas ficam apenas nas manifestações”, explica Mário. A afirmação do comentarista ajuda a visualizar situações que são vistas muitas vezes no futebol, em que um clube entra em campo com uma faixa “não ao racismo” ou adicionam um patch no uniforme contra a homofobia, mas mesmo assim, situações desse tipo voltam a acontecer.

“As punições para racistas, por exemplo, são muito brandas, o ideal é que elas fossem mais verdadeiras. Mas a culpa não é de quem carrega a faixa, e sim de quem pune com timidez”, ressalta.



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