O legado de Born This Way

Lançado há 10 anos, o segundo álbum de Lady Gaga mantém relevância e reforça visão e impacto da cantora americana.

Por Rafael Alef, aluno de Jornalismo do UniBH

Domingo, 12 de setembro de 2010. Vigésima sétima edição do Video Music Awards pela MTV. Lady Gaga subia ao palco para receber o prêmio de vídeo do ano pelo videoclipe da canção Bad Romance. Em um vestido feito inteiramente de carne, Gaga recebeu o troféu das mãos da cantora Cher, e em seu discurso de agradecimento fez o anúncio mais importante da noite: seu próximo álbum, a ser lançado no ano seguinte, foi batizado como “Born This Way” (em tradução literal, “Nasci Assim”).

Me lembro de tampar a boca com as mãos quando a ouvi cantar um trecho da faixa título. “Eu sou linda do meu jeito, porque Deus não comete erros. Estou no caminho certo, baby. Eu nasci assim”, cantou, em lágrimas, diante da plateia. O lançamento oficial da faixa aconteceu cerca de 5 meses depois, dias antes da 53ª edição do Grammy Awards, em que a cantora também se apresentou ao vivo.

Aos 16 anos, vivendo no armário e sendo filho de pais conservadores, eu definitivamente não poderia fazer um grande escândalo sobre tudo aquilo. Mas, naquele momento, jamais imaginaria que através de minha pequena TV analógica, acompanhava o início de uma das eras mais influentes na história da música.

A conexão da comunidade LGBTQIA+ com Lady Gaga está além de seus feitos na indústria musical. Assumidamente bissexual, a cantora sempre esteve presente em discussões de pautas da comunidade e é reconhecida como um dos grandes ícones queer no cenário mainstream. Em 2009, durante um discurso na Marcha Nacional pela Igualdade – sediada em Washington, capital dos Estados Unidos – a cantora definiu o momento como “o mais importante de sua carreira” e cobrou o recém-eleito presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, que cumprisse com as promessas de sua administração sobre igualdade e inclusão. “Como uma mulher na música pop e com os fãs gays mais lindos do mundo, eu me recuso a aceitar qualquer comportamento misógino e homofóbico na indústria musical”, destacou.

Acredito que esse posicionamento escancarado, em defesa a uma comunidade marginalizada pela sociedade, rapidamente a catapultou de estreante para ícone pop e isso refletiu em seu trabalho como artista.

Qualquer entusiasta de cultura pop sabe que, assim como no cinema, a sequência de um primeiro álbum de sucesso é decisiva na relevância e estabilidade dos próximos anos na indústria. Com Born This Way, Gaga não decepcionou. O álbum, desenvolvido em cerca de dois anos, foi lançado em 23 de maio de 2011. Com 17 faixas em sua versão especial, foi baseado na conexão que a cantora desenvolveu com seus fãs, os Little Monsters, e nas experiências dolorosas de sua vida, apresentando temas como liberdade, aceitação e igualdade de gênero. Sem dúvidas, foi um divisor de águas que transformou dor em arte.

Em sua primeira semana de lançamento, vendeu mais de 1 milhão de cópias somente nos EUA. Liderou paradas de sucesso ao redor do mundo e teve uma recepção positiva pela crítica especializada. Além de emplacar os singles de trabalho Born This Way, Judas, The Edge of Glory, You & I e Marry the Night, entre as músicas mais tocadas do ano.

O lançamento se tornou um grande evento midiático. A cidade de Nova York foi tomada por fotos promocionais do álbum. De metrô à taxis e outdoors gigantes, só se falava em Lady Gaga, o que contribuiu para a ascensão de sua persona midiática.

Carro plotado para divulgação do álbum BTW, em 2011. Imagem: Kevin Mazur/WireImage.
Estação Bay 50th Street, Nova York, 2011. Imagem: Michael Hurcomb/Stills & Motion.​

Junto com o sucesso, também recebeu inúmeras críticas. Judas foi vista como um afronte ao cristianismo. A faixa, que foi lançada antes do álbum completo, chegou às principais plataformas na terça-feira da Semana Santa de 2011, ação apontada como provocação por líderes religiosos. A referência à Maria Madalena no videoclipe da faixa, em que Gaga é apedrejada em praça pública, contribuiu para o mito popular que associava a cantora ao satanismo e práticas anticristo.

O álbum foi banido temporariamente em países como o Líbano, por utilizar temas como religião e diversidade ao longo de seus 62 minutos de duração. Também foi palco para incansáveis comparações com Madonna, já que a faixa Born This Way remete ao grande sucesso dos anos 80, Express Yourself, lançado pela rainha do pop.

Durante os dois anos de promoção, Gaga fez de tudo. Apareceu em programas de TV ao redor do mundo, deu inúmeras entrevistas, ganhou prêmios e embarcou em uma turnê mundial prevista para 119 apresentações. A quantidade massiva de aparições, ao meu ver, também teve efeitos negativos. Ao fim do ciclo de promoção, a imagem da cantora sofria de uma certa saturação, em que muito se questionava quanto ao que era verdadeiro e o que não passava de táticas midiáticas.

O show ao vivo do álbum teve as últimas 21 datas canceladas após um acidente no palco em que a cantora fraturou o quadril. Com cirurgia feita logo em seguida, a fratura tirou a cantora dos holofotes e deu início a um período recluso para recuperação. Mesmo com o cancelamento na reta final, o show arrecadou quase 190 milhões de dólares e figura entre as maiores arrecadações por artistas femininas.

Antes do acidente, Gaga também fez sua primeira e única passagem pelo Brasil. Com shows no Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre, não vendeu todos os ingressos previstos, mas comandou noites memoráveis em solo nacional. Ainda no país, visitou o Morro do Cantagalo, na Zona Sul do Rio. A cantora se divertiu com as crianças, cantou algumas canções para o projeto Espaço Criança Esperança e bebeu uma cerveja em um bar local.

Sua conexão com as crianças no Brasil remete ao trabalho feito pela fundação que leva o nome do álbum. A Fundação Born This Way foi criada em 2012, em parceria com sua mãe, Cynthia Germanotta, e há 10 anos promove projetos sociais voltados para o desenvolvimento e acolhimento de jovens. Um dos grandes trabalhos desenvolvidos pela ONG foi o Brave Born Bus, veículo posicionado em locais onde a artista se apresentava, que ofertava atendimento psicológico para o público.

Cynthia, que atua como presidente da fundação, contou em entrevista ao programa norte-americano Today Show, que a ideia da fundação veio da intensa conexão de Gaga com seus fãs em meio à sua ascensão como estrela pop. “Minha filha e eu começamos a fundação com um objetivo simples: fazer do mundo um lugar mais bondoso e corajoso”.

No mês em que o álbum completou 10 anos, a prefeita de West Hollywood, Lindsey P. Horvath, concedeu à Gaga a chave da cidade em celebração ao seu legado. O dia 23 de maio foi oficializado como o Born This Way Day. Dias depois, a cantora anunciou um relançamento do álbum para o mês de junho, que vai contar com releituras de seis faixas, agora interpretadas por artistas e aliados da comunidade LGBTQIA+.

Todos esses desdobramentos da marca Born This Way embasam uma ideia bem clara: Lady Gaga é mais que uma diva do pop. Seu trabalho é desenvolvido para mudar narrativas e ultrapassar limites.

Mesmo quando se perde em sua própria ambição, a cantora não deixa de lado sua missão principal: inspirar uma nova geração de jovens pelo mundo que precisam de uma aliada. Em resposta sobre o seu trabalho como produtor no álbum, Vincent Herbert, se referiu ao projeto como o “Thriller do Século 21”, em alusão ao álbum de Michael Jackson, que está prestes a completar 40 anos. Talvez ele realmente seja, mas essa análise vamos reservar para 2051.

Ouça o podcast sobre o BTW:

https://soundcloud.com/cacauunibh/jornal-impressao-ed-216-o-legado-de-born-this-way-de-lady-gaga

 



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