Polarização política no Brasil tem contribuído para que eleitores idolatrarem personagens políticos a qualquer custo
Por Ludmyla Beltrão, aluna de Jornalismo do UniBH
“Quem é seu político de estimação? A quem você devota todo seu amor, que agora tomou conta do seu coração. Pra quem tu passa pano sem qualquer pudor?” Impossível não pensar em alguém após ler parte dessa crítica em forma de música, dos Detonautas, à idolatria política. De antemão, permita-se estar avisado, caro leitor, que esta crônica não somente serve como crítica à seu parente ou vizinho que, por discordância de sua posição política, passou a desprezar suas opiniões em quaisquer discussões em que se encontrem juntos, mas também é um convite à reflexão da sua própria conduta.
Talvez o termo “político de estimação” possa parecer um tanto exagerado ou ríspido, mas essa percepção não tem a menor sustentação já que, precisamente na atualidade, se faz presente na forma de viver de milhares de brasileiros. É possível perceber este rótulo na inversão dos papéis, quando os eleitores que, teoricamente, possuem o poder sobre a nação, o confiam aos seus representantes por longos quatro anos e começam a idolatrá-los, desenvolvendo um excesso de admiração cego e veemente.
Como dizer que o fanatismo político não existe diante da falta de surpresa da sociedade ao se deparar com a notícia de que profissionais de imprensa teriam sido agredidos durante certa manifestação antidemocrática? Ato esse que não faz o menor sentido, ainda que o jornalismo tenha o propósito de questionar e mediar informações. A realidade é que sabemos que o fanatismo político está exacerbado e entranhado em nosso meio, só não estamos acostumados a refletir sobre isso.
Quando seu pet faz travessuras, certamente seu amor por ele continua o mesmo. Mas você não acha estranho a mesma lógica estar relacionada a alguém que toma decisões importantes por você? Este contexto se refere a quando o cidadão descobre atos ou à promoção de ações moralmente reprováveis por parte do agente político ao qual se simpatiza, e ao invés de cobrá-lo, ele busca sempre uma desculpa para aliviar a conduta amoral do seu pet, político, por meio de fatos – às vezes invenções – que possam trazer a ideia de que tudo não passa de fake news da oposição.
Se você, leitor, chegou até aqui e já está um pouco estressado, achando o texto provocativo e cogitando interromper esta leitura, a sugestão é que continue. Passe a refletir mais sobre este assunto em relação a si mesmo, pois nesta crônica não há nomes de políticos e nem de partidos que possam arremeter seu comportamento.
Apesar da enorme polarização política que divide ao meio a nação brasileira, entre posições de direita e esquerda, isso não significa que o cidadão deva fugir das laterais e se manter ao centro. O enfoque desta questão é o que se disfarça de política, mas não é. Se temos um agente político que possui nossa admiração e, por isso, não é passível de crítica, não se trata mais de política, pois se distancia de qualquer relação racional e se torna um endeusamento, fanatismo e idolatria. Dizemos que são políticos de estimação simplesmente pelo fato de tantas pessoas defendê-los como se fossem seus e dignos de sua fidelidade apesar de quaisquer tropeços.
Com as redes sociais, a divergência de ideias deixou este problema ainda mais evidente, e as interações sociais cada vez mais instáveis. Conforme pesquisa do Datafolha, realizada no final de 2019, 51% dos brasileiros que usam o WhatsApp desistiram de fazer um comentário ou compartilhar algum conteúdo sobre política para evitar brigas com a família ou com os amigos. Também foi apontado que uma em cada quatro pessoas saiu de algum grupo para não discutir, e 19% deixaram de seguir ou bloquearam o perfil de alguém por discordarem de suas posições políticas. E você? Se vê nestes dados?
Coloque sua opinião nas redes e conte os minutos até aparecer o primeiro usuário comentando como se estivesse em uma discussão de bar ou em uma briga de rua. E feliz aquela família que não possui grupo de WhatsApp! A que ponto chegamos, hein?! Um povo que se diz acolhedor e feliz, se tornou uma sociedade antagonista, atacando a filantropia, dividindo-se e menosprezando opiniões, enquanto o que deveria estar fazendo era unindo forças e analisando suas próprias ações. Mas, não se engane, a idolatria à personagens políticos não é recente, desde as primeiras eleições dos anos 2000, pudemos ver que ela já existia e, ao longo do tempo, foi se intensificando. Em algumas vezes, o político de estimação foi substituído por outro de “espécie” diferente, mas nunca foi colocado na balança o quão perigoso era essa estima.
Como bem diz Clarice Lispector, “o óbvio é a verdade mais difícil de se enxergar”, por isso é tão complicado perceber que enquanto houver devotos de políticos, a crise constitucional, que vivenciamos todos os dias, jamais chegará ao fim. Não existe político milagroso ou uma pessoa em específico que salvará nosso país.
É uma loucura, mas conseguimos chegar a um cenário em que a crítica política parece uma heresia. Se escolhemos alguém para nos representar, este deve fazer seu trabalho com eficiência e respeito, nada se trata de um favor à sociedade, mas sim uma obrigação, pois somos nós que pagamos seu salário. E de nada adianta símbolos, frases feitas e discursos milagrosos, isso não é patriotismo se nem ao menos entendem que a democracia é mais do que eleição e está ligada a diversos fatores inegáveis como, por exemplo, o cuidado e respeito aos direitos humanos, à saúde pública, à igualdade social, à economia e às instituições democráticas. O que será que aconteceu com o Brasil? Tornamo-nos uma nação de ingênuos? Pegamos uma terrível amnésia a ponto de esquecermos a história de nosso país? Porque aceitamos tudo e não percebemos tanta traição? É muita pergunta para pouca resposta.
Lamentável nossa situação. O milagroso político de estimação, que neste caso é ele quem prende a coleira no pescoço do próprio cidadão e vive como celebridade em um romance que parece nunca ter fim. Ou é aquele, de família honesta, por mais que provem o contrário, ou aquele, injustiçado, apesar do governo inteiro estar encharcado de corrupção. Essa realidade pode ser o preço da ignorância, pois é exatamente o que mantém essa gente no poder e, como dizia o antropólogo, Darcy Ribeiro, “a crise da educação no Brasil não é uma crise, é projeto”.
Agora, arrisco usar a primeira pessoa para compartilhar uma dúvida: “O que é pior: o fanático ou o analfabeto político?” Ouso, mais uma vez, dizer que aquele que abraça o fanatismo é o mais prejudicial, pois ele perde sua capacidade de crítica e não sabe discutir, apenas gritar, xingar e desconsiderar. Ao contrário do analfabeto político, que perde a oportunidade de mudar seu país com suas escolhas, o fanático “apanha” do seu carrasco e o defende, porque ele é aquela pessoa que está determinada a mudar a todos, mas jamais pensa na possibilidade de mudar a si mesmo. Dessa forma, finalizo com um conselho a você, leitor: na hora de escolher seu animal de estimação, prefira um pet, é mais saudável e a nação agradece!