A vida de um homem de farda

  • Sociedade

Por Dryelle Scarlet e Queren Ballarini, alunas de Jornalismo do UniBH 

Em todos os locais de trabalho e áreas de atuação existem profissionais que fazem a diferença em seus papéis. Tivemos a oportunidade de conhecer o trabalho de um Cabo, que atua há 14 anos na Polícia Militar de Minas Gerais – PMMG, e faz um trabalho diferenciado com as crianças e adolescentes de Ribeirão das Neves, Região Metropolitana de Belo Horizonte.

O Cabo Rodrigo Gomes Lúcio está na corporação desde outubro de 2007, completando, no ano passado, 14 anos de serviço. Rodrigo já trabalhou em vários portfólios na PMMG, atuando desde a administração até no atendimento às ocorrências com o rádio patrulhamento e na patrulha escolar. Atualmente, é instrutor do Programa Educacional de Resistência às Drogas, o PROERD.

Cabo Rodrigo Gomes Lúcio, instrutor do PROERD em Ribeirão das Neves, Região Metropolitana de BH. Foto: arquivo pessoal.

Cabo, conte para gente o que é o PROERD, como surgiu e como é a sua atuação hoje?

O Programa Educacional de Resistência às Drogas (PROERD) é um programa chancelado, registrado, e surgiu lá nos Estados Unidos, em 1982, sob a sigla DARE (Drug Abuse Resistance Education, na tradução literal, “Educando Para Resistir Às Drogas”). Foi iniciativa do Departamento de Polícia de Los Angeles com a comunidade escolar daquele local. No Brasil, chega em 1992, através da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro e, em 2002, já passou a acontecer em todos os estados do Brasil.

Eu trabalhava na patrulha escolar e tive a oportunidade de conhecer o trabalho feito pelos instrutores do PROERD. Fiquei admirado com o fato das crianças que participavam do programa serem diferentes das outras que não tinham a oportunidade de participar. Os conceitos que eles tinham eram diferenciados em relação a determinados temas que, depois, eu descobri serem temas abordados pelo programa, como bullying, pressão dos colegas, entre outros temas que são muito peculiares ao ambiente escolar. Então, dá uma partida aí, conhecendo o trabalho realizado nas escolas, visto que eu frequentava esse ambiente na patrulha escolar. Eu me identifiquei muito porque eu vi que realmente fazia diferença para essas crianças.

Hoje, já tenho uma boa experiência na área de educação, ajudando na formação das crianças e adolescentes com conteúdo que visa auxiliar nas tomadas de decisões seguras, para elas terem uma vida saudável, longe das drogas e da violência. Isso faz também a aproximação da comunidade com a Polícia Militar, visto que, ainda hoje, nós temos uma visão de que a polícia só trabalha na repressão. Nós fazemos um trabalho repressivo, porém o grande viés da Polícia Militar hoje é trabalhar com a comunidade.

Leão mascote do PROERD. Imagem: reprodução.

http://cacauunibh.anima.intranet/app/uploads/2021/11/desktop.jpgQuais dificuldades que você enfrenta como instrutor?

A maior dificuldade que enfrento hoje para fazer o PROERD acontecer é a falta de recursos. Infelizmente, nós não temos os recursos que seriam necessários. Por exemplo: nós somos dois instrutores e nós trabalhamos em escolas diferentes. Então, nós temos que dividir uma viatura e as escolas são longe umas das outras. Algumas vezes, eu prefiro pegar o meu carro particular e ir direto para a escola do que ir lá no batalhão, pegar a viatura, visto que eu e o meu colega de trabalho teremos que dividir o itinerário e não seria muito fácil. Há falta de recurso logístico de locomoção, e falta de recursos para trabalhar diretamente na escola, como notebook e projetor.

Penso que os pontos mais desafiadores para nós são aqueles que as próprias crianças trazem. Uma criança para a qual você vai dar aula e mora ao lado de uma boca de fumo, onde vende drogas, ou uma criança que você está dando aula e ela fala: “meu pai bebe, bate na minha mãe”. Então, há os temas que levamos para eles, e eles também já trazem uma problemática em relação àqueles temas, e você tem que dar uma resposta em cima disso. Acredito serem os maiores desafios que temos que realmente lidar dia a dia.

Neste papel, você se considera alguém influente na sociedade? Como você é uma influência?

Considero que sim, que eu tenho uma grande influência sobre a sociedade, visto que o instrutor do PROERD acaba sendo um formador. Ele contribui para a formação dessas crianças e acaba se tornando referência para toda comunidade onde está inserido. E eu vejo as influências com bons olhos, vejo que o Policial Militar, para ser instrutor do programa, tem que ser uma pessoa equilibrada. Automaticamente, se ele está dizendo não às drogas, ele não deve usá-las, mesmo que sejam drogas lícitas. Então, isso acaba mostrando para os jovens, na prática, que nós devemos não só dizer o que fazer, mas devemos fazer, para eles verem um exemplo.

Sabemos que, devido à pandemia da COVID-19, as aulas foram suspensas e, depois de um tempo, retomadas de forma remota. Quais foram os principais desafios que vocês enfrentaram durante a pandemia?

Assim como todos os profissionais, nós tivemos que nos reinventar durante essa pandemia. Foi um trabalho muito bacana, feito pela nossa Diretoria de Apoio Operacional, que é a responsável pelo PROERD. No início, foi desenvolvido o “Proerd Em Casa”, com uma equipe de instrutores que se reuniu na TV PMMG Mirim e gravou as aulas. Essas aulas eram gravadas com o tempo reduzido, e nós pegávamos esses vídeos e enviávamos para os alunos em grupos de WhatsApp, Facebook, Instagram. Cada instrutor criou uma estratégia, foi muito legal. Aqui, no meu batalhão, no 40°, adotamos uma estratégia aceita pela rádio, de nos ceder o horário, e acabei sendo o criador de um programa que nós denominamos “Proerd Em Ação”. Foi algo muito bacana, pois conseguimos dar uma aula pelo rádio, de maneira bem didática.

E foi um diferencial que, mesmo depois que estarmos ali, terminando, as pessoas que participaram, professores, alunos, pais, familiares falavam para nós: “olha, mesmo se a pandemia acabar, esse programa aqui na rádio tem que continuar porque o resultado que deu, a forma que ele alcançou as crianças, foi ótimo”. Foi uma resposta muito positiva.

Você considera que o papel de um policial é essencial para a comunidade? Por quê?

Eu penso que o papel do Policial Militar com certeza é essencial para comunidade. Porque o Policial Militar é o braço do Estado. Ele é a figura que essa comunidade, que cada pessoa, vai ter mais próxima dela com o Estado. O Estado não consegue estar presente em todos os lugares, como a repartição pública que o representa, mas através do Policial Militar ele está presente em todo e qualquer lugar. Falando aqui de Minas Gerais, em todos os municípios do estado, nós podemos encontrar uma fração da Polícia Militar, uma viatura ou guardas militares. Esse papel é primordial porque ele está ali como um exemplo.

Quais e/ou qual o principal risco que você já enfrentou e/ou pode enfrentar na sua profissão?

O principal risco que eu já enfrentei na minha profissão, é o risco mesmo de você estar de serviço e tem que atender a uma ocorrência, de roubo, por exemplo, e você sabe que vai chegar naquele local e enfrentar pessoas armadas e, geralmente, essas pessoas já saíram de casa entendendo que isso poderia acontecer. Então, elas estão preparadas para matar ou morrer, o policial também tem que ter isso na mente.

Dentro desses meus 14 anos de profissão, eu já fiz incursões em um aglomerado e fui recebido a tiros. Foi uma experiência de muita adrenalina, de saber que, realmente, quando nós falamos que estamos dispostos a defender a sociedade com o risco da própria vida, quando chega na hora da prática e você vê, lembra do juramento feito em cima do púlpito.

Compartilhe conosco alguma experiência ou história marcante que já tenha vivido.

Nesse período de 14 anos já tive muitas experiências, mas acredito que as minhas experiências ligadas ao meu portfólio são mais marcantes.

Eu tenho uma história de uma aluna, que em um dia na escola, me pediu ajuda, pois ela queria visitar o pai.

Aí eu falei: “Mas, porque você está falando que você quer visitar seu pai? Você não mora com seu pai? Ela respondeu: “Não, meu pai está preso, ele está na cadeia e eu quero muito visitar meu pai.” Ela era uma criança, tinha apenas 11 anos e reclamava sentir falta do pai. Isso foi algo muito marcante para mim naquela ocasião. Ver como nós temos essa importância para uma criança, a ponto de ela pedir algo desse nível para mim, enquanto instrutor do PROERD. E ver também o quanto as famílias, hoje, precisam de um direcionamento diferente, porque muitas delas estão desestruturadas, estão precisando realmente de ter uma referência diferente. As pessoas estão se acostumando com aquilo que é errado, pensando que o errado está certo. Uma inversão de valores. Então, eu penso que essa experiência, para mim, foi mais marcante do que a vida em risco.

Faça um fechamento compartilhando algo conosco que queira acrescentar.

Queria enfatizar a importância de trabalhos como esse, de procurar conhecer mais profissões que muitas vezes são vistas com maus olhos pela sociedade. Acredito que a sociedade não dá o devido valor ao profissional tão qualificado que ela tem, o Policial Militar de Minas Gerais. Geralmente, vemos a população destacar muito os erros. Somos uma instituição com mais de 40 mil integrantes. Então, vamos ter bons profissionais e vamos ter alguns maus profissionais, mas nesse universo de mais de 40 mil capacitados, com certeza os bons trabalhadores se sobressaem. É uma instituição que preza muito, muito mesmo, pela boa conduta. O Policial Militar tem que ser realmente uma pessoa de boa conduta, não só julgar que ele é, mas ele tem que provar isso o tempo inteiro.

Eu acredito que a sociedade em que nós vivemos hoje não valoriza isso. Ela valoriza muito o erro. Qualquer ocorrência que acompanhamos que possa, em tese, ter havido algum erro, o Policial Militar já é, naquele momento ali, mesmo que as pessoas assistam àquele vídeo (já que tudo hoje é gravado) ou àquela cena ali ao vivo, ele é condenado: “Ah! Não, está errado… Esse policial está sendo arbitrário, está agindo com ilegalidade”. E, muitas vezes, as pessoas não sabem qual é o contexto.

Nós temos alguns maus policiais? Sim! Mas nós mesmos, os bons policiais, fazemos questão que esses maus profissionais sejam apontados e excluídos da nossa corporação.

 



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