Profissionais da psicologia apontam critérios fundamentais para compreensão do que é a prática coaching e quais são suas principais nuances
Por Mylene Alves, aluna do 5º período de Jornalismo
Nos últimos anos, uma nova profissão tem chamado atenção e ganhado cada vez mais espaço: o coach. Mas, nem todos os olhares conquistados colaboraram positivamente. No Brasil, os coaches enfrentam uma polemização muito intensa, tendo sua eficácia constantemente questionada.
O QUE É?
O termo “coach”, em tradução literal, significa treinador. E no meio coaching, o coach é o profissional que foi capacitado e está apto a aplicar uma metodologia que busca ajudar no desenvolvimento de pessoas e empresas. Foi primeiramente adotado no meio esportivo, mas mesmo nessa área sempre esteve associado aos profissionais que trabalham o desenvolvimento humano do atleta, fazendo com que isso reflita em sua performance esportiva.
O profissional que aplica o coaching tem como principal objetivo auxiliar o desenvolvimento do coachee – o cliente -, enquanto colabora para que ele chegue ao objetivo, que normalmente é bem específico e, muitas vezes, chama atenção pela promessa de rapidez no resultado. Ao utilizar técnicas e ferramentas, o coach deve ajudá-lo a desenvolver habilidades e recursos pessoais para refletir e definir ações que o levarão a alcançar as metas determinadas.
O coach não chega com respostas prontas, mas leva o coachee a desenvolver um autoconhecimento que o ajudará a encontrar suas próprias respostas.
Muitas vezes, quando se fala em autoconhecimento, associamos o tema, imediatamente, à psicologia, e ao trabalho que psicoterapeutas desenvolvem. Por isso, conversamos com Samuel Silva, psicólogo e coach, para entender melhor o que difere essas áreas de atuação.
“A resposta para essa pergunta [diferença entre coach e psicólogo] é bastante complexa, pois ambos profissionais atuam com o desenvolvimento humano e, com isso, por vezes, suas práticas convergem. Contudo, acredito que a principal diferença seja que profissionais da psicologia estão aptos a atuar com questões humanas, que envolvam tanto processos de adoecimento e saúde mental, quanto aqueles referentes a potencializar o bom funcionamento. Já os coaches atuam somente na segunda perspectiva. Um processo de Coaching pode ter, e em muitos momentos terá, efeito terapêutico, mas nunca será psicoterapia”, explica.
Mas em quais momentos, então, são indicadas as consultas com os coaches? Existe contraindicação? “É indicado em situações nas quais as pessoas não apresentam questões significativas quanto a aspectos emocionais, comportamentais e/ou psicopatológicos, ou seja, estão num estado que podem desenvolver suas potencialidades sem prejuízos para a sua saúde mental. É contraindicado sempre que a pessoa apresentar demandas relacionadas à saúde mental”, infere Samuel.
Segundo o psicólogo, existem limites de atuação para os coaches. “Os profissionais dessa área não têm respaldo para oferecer tratamento e também não podem fazer uso de ferramentas exclusivas da psicologia. Algo muito importante é que tenham ética para encaminhar seus clientes aos profissionais da psicologia quando identificada a necessidade”, afirma.
FORMAÇÃO
Não existe graduação para quem quer seguir a profissão, portanto, quem deseja ser coach deve recorrer aos cursos de coaching que algumas instituições privadas especializadas na área oferecem. “Por ser uma atuação não regulamentada, não existem critérios mínimos. E por não ser um conhecimento exclusivo de uma área, não existem órgãos de regulamentação. Contudo, considero fundamental que além da formação em Coaching os profissionais tenham capacitação para lidar com pessoas. Não basta saber a metodologia, é necessário ter habilidade para aplicá-la”, pontua Samuel Silva.
O COACHING NO BRASIL
As visões defendidas por brasileiros, sobre o coaching, são bem complexas de entender, e vão do apoio e busca pela regulamentação, até os movimentos que incentivam a criminalização e a extinção da prática da profissão. São diversas as justificativas para isso: algumas pessoas consideram que há uma exploração da boa fé dos clientes, e essa ideia teve mais de quinze mil votos em apoio, quando transformada em uma sugestão legislativa, em 2019, pelo senador Paulo Paim (PT/RS).
No que se refere à criminalização, a psicóloga Lucinéia Sordini de Assis diz que o cenário precisa de mudanças, mas a proposta para solucionar é drástica.
“Acho que não precisa ser tão drástico, mas talvez regulamentar de maneira que o coach só possa atuar dentro da sua área de formação. Por exemplo, se o profissional é formado em engenharia, teria que atuar dentro desse ramo, dando mentorias que sejam específicas dessa área”, opina.
Ao fazer análises sobre o que criou tal aversão ao coaching, Samuel Silva reforça dois critérios fundamentais. “Acredito que esse preconceito seja fruto de: 1) o Coaching não ser debatido com seriedade; e 2) a banalização das práticas de Coaching. A grande difusão dessa prática não quer dizer que estamos conhecendo e debatendo de fato o Coaching. Muitas vezes o que vemos a respeito do Coaching são distorções e compreensão equivocada da metodologia. Essa banalização acontece no mundo todo. Sendo uma prática sem regulamentação, instituições de formação oferecem cursos rápidos e muitas pessoas sem um olhar qualificado para lidar com questões humanas acabam buscando no Coaching uma alternativa de atuação profissionais”, ressalta.
Lucinéia Sordini realça problemas na maneira como, normalmente, são aplicados os métodos de coaching. “São utilizadas ferramentas padronizadas, que não levam em conta as subjetividades dos indivíduos, quase uma receita de bolo, que aplicam sem critérios, como se fosse dar certo com todo mundo”, enfatiza.
Para a psicóloga, podem haver consequências negativas de métodos mal desenvolvidos, principalmente quando aplicados em pessoas que estão em processo de adoecimento psíquico, podendo suscitar questões que, se não forem devidamente tratadas, podem agravar o caso. “Muitos profissionais fazem promessas de conquistas e prosperidade que muitas vezes são incabíveis. Invadem áreas de atuação para as quais não têm nenhuma formação, mexem com as emoções das pessoas de forma irresponsável, sem cuidado e sem técnica. Colocando sempre na conta da própria pessoa a responsabilidade de sucesso ou de fracasso, muitas vezes usando de palavras pejorativas para definir as pessoas que não alcançam o resultado esperado”, conclui.
CENÁRIO PROFISSIONAL ATUALMENTE
Para Samuel Silva, há muito a ser aprimorado na prática coaching atualmente. “Observo esperançoso um movimento de seleção das boas práticas. As pessoas já perceberam que o coaching pode ser uma ótima metodologia de desenvolvimento, mas que existem bons e maus profissionais, como em todos os campos. E vejo ainda que nesse cenário a psicologia se destaca: está em crescimento a percepção de que psicólogas e psicólogos, por serem profissionais já aptos a lidar com questões humanas, são profissionais confiáveis quando se pensa em coaching. O Coaching Psicológico, portanto, está em alta e deveríamos nos apropriar mais dele”, avalia.