BH busca garantir a segurança alimentar

Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar aponta que 55,2% da população brasileira já sofreu com algum tipo de insegurança alimentar

Por Alexandre Santos

Promovida no dia 25 de setembro de 2015, em Nova York, a reunião da cúpula da Organização das Nações Unidas (ONU) não foi “apenas” mais uma edição, mas entrou para história como o dia em que a agenda para o desenvolvimento sustentável do planeta foi acordada.

No evento, que reuniu representantes dos 193 países que integram a organização, ficou combinado o compromisso de criar medidas, planos, reformas e programas que contribuam para a erradicação de diversas mazelas das sociedades modernas, como redução das desigualdades, produção e consumo de energia limpa e acessível, educação de qualidade e a fome. 

No Brasil, a Constituição Federal, desde 2010, garante a todo cidadão o direito social à alimentação de qualidade. Apresentada pelo deputado Antonio Carlos Valadares (PSB/SE), em abril de 2003, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) foi aprovada apenas em 2010, quando alterou o 6º artigo da Carta Magna brasileira. Mas por que isso ainda não acontece?

Segundo a jornalista e vereadora de Belo Horizonte, Iza Lourença (PSOL), a fome, hoje, pode ser considerada uma epidemia no Brasil, visto que 55,2% da população brasileira experimentou algum tipo de insegurança alimentar no último trimestre de 2020 em razão do período pandêmico. Os dados se tornam ainda mais assustadores quando revelado que 19 milhões de brasileiros chegaram a passar fome. Esses números foram informados pela Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN).

De acordo com o estudo dos lares que enfrentam insegurança alimentar, 10,7% das famílias de pessoas pretas e 7,5% das famílias de pessoas brancas  enfrentam  a  forma  grave  da  fome.  A  desnutrição  grave  também  está presente em 11,1% dos lares liderados por mulheres. Além disso, a dificuldade alimentar está presente em 7,7% dos lares chefiados por homens.

Na capital de Minas Gerais, segundo um estudo realizado pela Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) e divulgado pelo CadÚnico, 80 mil famílias, o que representa 10% da população do município, sofrem com a pobreza e com acesso precário à alimentação de qualidade.

Para a nutricionista Daniele Adjuto, toda medida que visa combater a fome está, diretamente, relacionada às medidas públicas, sendo assim, a especialista afirma que cabe a “nós” cidadãos cobrar uma postura dos governantes. É fundamental que essa seja uma questão na hora de escolher os representantes que vão ocupar os cargos públicos.

A especialista reforça que é nossa responsabilidade “votar direito” e cobrar que os políticos tenham um olhar atento às medidas que zelem pela qualidade  na  alimentação  da  população.  “Nós  precisamos  sempre  olhar para  as  pessoas  menos  favorecidas,  que  não  têm  acesso  aos  alimentos como deveriam. Essa questão é relacionada às políticas públicas, mas nós, cidadãos, também precisamos pegar essa responsabilidade pra gente”, opina a profissional.

ODS da fome 

O  segundo  Objetivo  de  Desenvolvimento  Sustentável  tem  por  finalidade a  erradicação  da  fome,  além  de  alcançar  a  segurança  alimentar,  melhoria da nutrição e promoção da agricultura sustentável. O ODS, que faz parte da Agenda 2030, foi elaborado na Reunião da Cúpula da Organização das Nações Unidas (ONU).

A meta é extinguir todas as formas de desnutrição, dobrar a produtividade agrícola, a renda de pequenos produtores, com ênfase em mulheres, indígenas, pescadores e pastores. Também está entre as finalidades do ODS a manutenção genética de sementes e plantas, por meio de recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados, como acordado internacionalmente.

Para que isso aconteça, os países integrantes da cúpula devem aumentar o investimento e reforçar a infraestrutura rural, pesquisa e extensão dos serviços agrícolas. Além de corrigir e prevenir as restrições ao comércio agrícola.

Segurança alimentar: o que é? 

O termo abrange aspectos sociais ligados à qualidade da alimentação das pessoas em uma comunidade, referente ao acesso físico, social e econômico permanente a alimentos seguros, nutritivos e em quantidade suficiente para atender às necessidades do organismo humano. Tudo isso levando em consideração a qualidade nutricional necessária para o desenvolvimento de uma vida saudável.

Questionada sobre a diferença entre segurança alimentar e segurança nutricional, a nutricionista Daniele Adjuto explica que a segurança nutricional se refere à qualidade de produção do alimento que, posteriormente, será consumido pela população. Questões como o valor nutricional, o benefício desse alimento para o nosso corpo e, até mesmo, a higiene na manipulação dos mesmos estão relacionadas. Já a segurança alimentar refere-se às políticas públicas e sociais que visam garantir o acesso da população aos alimentos de forma digna e com qualidade.

Foto: Ação para o Desenvolvimento/ adbissau
A origem do termo 

O  termo,  que  possui  origem  militar,  nasceu  em  decorrência  da  Primeira Guerra Mundial, como uma estratégia de dominação. Os países envolvidos passaram a perceber que seria possível controlar as nações concorrentes caso o abastecimento de alimentos fosse dominado.

Com isso, os países menores passaram a entender que, mais do que nunca,  era  necessária  a  produção  independente  de  alimentos  de  qualidade para a população. Afinal, a dependência do setor agrícola em outros países, naquele momento, significava a dependência de todo o país.

O problema veio novamente à tona na Segunda Guerra Mundial, que expôs as sociedades ao redor do globo a uma série de fragilidades, motivando a criação da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), cuja finalidade é lutar pela erradicação da fome e pobreza no mundo. Alguns anos mais tarde, em 1948, a alimentação passou a ser reconhecida como um direito básico no mundo.

BH na luta contra a fome 

E a capital mineira não ficou de fora do empenho mundial para a consolidação de cada um dos ODS previstos na Agenda 2030. Para isso, a PBH criou  o “Orçamento  Temático  ODS’’.  Segundo  a  prefeitura,  a  intenção  é “mapear o alinhamento das políticas públicas municipais expressas no Plano Plurianual de Ação Governamental (PPAG)”, e identificar quais são os gastos municipais, utilizados nas ações sociais, colaborando para a efetivação das metas e objetivos. O PPAG é a ferramenta de planejamento da administração pública que delimita quais serão as ações e programas executados pelo governo durante os quatros anos de exercício.

Dentre  os  propósitos  do  PPAG  está  o  fim  da  fome  no  município.  Para isso, a PBH criou o sistema municipal de segurança alimentar que, segundo  o  Portal  Belo  Horizonte,  se  baseia  em  três  pilares:  o  fornecimento  de refeições subsidiadas nos restaurantes populares, a regulação do mercado com a finalidade de garantir o acesso barato aos alimentos saudáveis e a promoção da agricultura familiar e urbana em bases agroecológicas.

Uma das ações coordenadas pela PBH é o “Banco de Alimentos”. A iniciativa recebe a doação de varejos que oferecem alimentos “que não possuem mais valor para o mercado”, mas que ainda estão em condições de serem consumidos. Esses alimentos passam por uma espécie de triagem e, em seguida, são repassados para instituições sem fins lucrativos, por onde chegam às pessoas e famílias socialmente vulneráveis.

A prefeitura também coordena a ocupação de terrenos públicos, comunitários e institucionais para a produção agroecológica de alimentos. A medida integra os Sistemas Agroecológicos Comunitários, Institucionais e Escolares, contando com 191 escolas e 36 instituições. E, por fim, o Programa Municipal de Alimentação Escolar, que garante o acesso de alunos matriculados na rede municipal à alimentação saudável.

De acordo com o Portal de Belo Horizonte, já foram servidas 82.566.569 refeições no sistema escolar municipal, 285.448 kg de alimentos adquiridos da agricultura familiar pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Sobre isso, a assistente social, Gabriela de Oliveira Elias, pondera que a oferta desses serviços garante a continuidade no atendimento à população que acessa esses espaços para alimentar-se. 

Para a especialista, projetos como esses, promovidos pela PBH, têm um papel fundamental na luta contra a fome dos menos favorecidos. A assistente social destaca ainda que, quando falamos em serviços públicos, financiados pela Política Pública de Segurança Alimentar, estamos falando sobre a oferta distribuída a todas as famílias que necessitam dos serviços que funcionam com orçamento público e que estão sendo ofertados pelo Estado, como um compromisso no combate à fome.

“Ou seja, uma oferta contínua e que irá se caracterizar como direito daqueles  que  a  acessam.  Diante  disso,  a  importância  observada  é  de  combater a insegurança alimentar por meio de oferta do Estado com o objetivo de diminuição da desigualdade social”, pondera. Gabriela, que também é professora, lembra que, no Brasil, temos a Política Nacional de Segurança Alimentar  e  Nutricional  (PNSAN),  que  envolve  a  integração  dos  esforços entre governo e sociedade civil e ações e programas estratégicos como:

  • Acesso a Água (Cisternas);
  • Fomento Rural às atividades produtivas da agricultura familiar;
  • Programa de Aquisição de Alimentos (PAA);
  • Apoio à Agricultura Urbana e Periurbana;
  • Distribuição de Alimentos;
  • Inclusão Produtiva Rural de Povos e Comunidades Tradicionais e/ou Grupos e populações tradicionais e específicos;
  • Apoio a estruturação de Equipamentos Públicos de Alimentação e Nutrição, como Rede de Bancos de Alimentos, Restaurantes Populares e Cozinhas Comunitárias;  
  • Ações de apoio a Educação Alimentar e Nutricional, etc.

 A profissional do Serviço Social acredita na eficiência do trabalho desempenhado pela administração municipal de Belo Horizonte e ressalta que, se houvesse investimento em âmbito nacional, o mesmo trabalho poderia estar sendo feito em várias cidades do território brasleiro. “Se espaços como restaurantes populares, banco de alimentos, assistência alimentar e outros fossem ampliados e multiplicados pelas cidades brasileiras, poderíamos ver mais resultados no combate à fome”, opina. “São ações que vão desde o campo do fomento à produção, até a comercialização, distribuição e consumo de alimentos saudáveis como forma de garantia do direito humano à alimentação adequada e o combate a todas as formas de má nutrição”, finaliza.

 



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