Brasil perdeu mais de 4,6 milhões de leitores nos últimos quatro anos

Mesmo com estimativa de R$ 50 bilhões em arrecadação, imposto sobre livros pode reduzir ainda mais o acesso à leitura

Por André de Paula e Thayane Domingos

O brasileiro pode estar prestes a ler ainda menos do que o costume. No dia 10 de agosto deste ano foram propostas, pelo Ministério da Economia, uma série de mudanças no sistema tributário brasileiro. Uma das propostas foi uma possível taxação sobre o mercado editorial, podendo elevar os impostos sobre livros em 12%. Um estudo do Observatório de Política Fiscal, do Ibre/FGV, aponta que a criação da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) com alíquota de 12% poderia gerar R $50 bilhões de arrecadação federal aos cofres públicos.

Porém, a aplicação desta nova medida entraria em conflito com as isenções tributárias previstas pelas leis no 10.865/2004 e no 10.753/2003, que descrevem o livro como “o meio principal e insubstituível da difusão da cultura e transmissão do conhecimento, do fomento à pesquisa social e científica, da conservação do patrimônio nacional, da transformação e aperfeiçoamento social e da melhoria da qualidade de vida, devendo, portanto, ser assegurado ao cidadão o exercício pleno do direito de acesso e uso do livro, bem como a livre circulação do livro no país.”

Soa como um desafio, conciliar perfeitamente tendências e interesses econômicos com cultura e desenvolvimento intelectual e social, porém tais elementos devem e precisam ser pensados juntos. É o que explica a professora de Economia da Cultura da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Ana Flávia Machado. Segundo Machado, a leitura se encontra entre as atividades de formação de uma sociedade. “O acesso à informação e ao conhecimento se faz, em grande parte, por meio de livros, sejam eles didáticos, técnicos ou relacionados a uma modalidade literária. Então, é fundamental para uma nação que as pessoas leiam e conheçam a realidade passada e contemporânea para poderem fazer suas escolhas. Sem acesso à leitura, há um empobrecimento pessoal e social”, reflete a economista. Ela também cita que, nos dias de hoje, a leitura pode ser enriquecida pela interação com outras atividades educacionais e culturais em modos presencial e virtual. Bibliotecas, livrarias, feiras, saraus são também espaços fundamentais para despertar e aprofundar o interesse pela leitura. “No Brasil, contamos com poucas bibliotecas públicas e, geralmente, elas se localizam em locais onde a população mais pobre tem dificuldade de alcançar. Medellín, na Colômbia, é um exemplo de democratização do acesso à leitura, pois instalaram bibliotecas com rico acervo em regiões vulneráveis. Nesses espaços, criaram oportunidades e atividades para despertar não só o hábito da leitura, bem como em outras atividades artístico-culturais’’, exemplifica Machado.

Podemos assim, refletir e entender a leitura como uma ferramenta fundamental ao aperfeiçoamento social. Tal cenário se torna ainda mais preocupante visto que estas instituições são majoritariamente acessadas pelas classes C e D. Com isso, limitar o seu acesso aos livros não só viria a negligenciar os direitos dessas classes, mas também, de certa forma, cercearia a participação das mesmas na difusão da cultura e transmissão do conhecimento, bem como no acesso às pesquisas sociais e científicas.

CONSEQUÊNCIAS SOCIOECONÔMICAS

Episódios como esse nos levam a analisar as motivações e as consequências desse tipo de escolha, que afeta diretamente a distribuição de livros no país, acarretando em mudanças socioeconômicas de micro e macro impacto em setores da cultura e educação. O Brasil perdeu, nos últimos quatro anos, mais de 4,6 milhões de leitores, de acordo com dados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil. Segundo a escritora e professora Ana Elisa Ribeiro, um país de poucos leitores e leitoras é um país de pouca participação e de conhecimento circunscrito e elitizado. De acordo com Ana Elisa, muitas pessoas não leem porque não conseguem, e não simplesmente porque escolhem não ler. Ana ainda afirma que “a leitura precisa ser oferecida por muitas vias, ensinada, mediada”.

Por Matheus Rocha

Para a escritora, com uma boa mediação (escola, bibliotecas, eventos), o potencial leitor pode descobrir coisas novas e pegar trilhas diferentes, ir construindo seu repertório. Para isso é importante a presença de um mercado editorial democrático, diverso e prolífico, com livrarias em todos os lugares ou internet para que as pessoas acessem o que for necessário, além de bibliotecas abastecidas, em escolas e fora delas, em todos os municípios. “Democrático é participar de debates abertos sobre obras. Democrático é que as pessoas que leem se sintam também capazes de expressar. O atrativo é muito relativo, mas é preciso, primeiro, ter pessoas que leem e que podem escolher dentre um leque amplo de possibilidades. Descrevi um sonho, não nossa realidade”, declarou a escritora.

Ana também alerta sobre as consequências do encarecimento do acesso a um bem cultural tão fundamental quanto a leitura. Segundo ela, esta seria uma decisão mais ampla e devastadora do que parece, quando pensada a longo prazo, uma vez que cultura e educação são áreas que sofrem muito durante os governos utilitaristas e obscurantistas. “O livro precisa chegar às mãos do leitor, e isso depende de uma peneira muito fina e de um caminho tortuoso”, reflete.

As lojas físicas e online ainda são as principais formas de acesso ao livro por parte dos brasileiros, representando 36% dos livros adquiridos. Hoje, é ainda importante considerar os muitos canais e as mídias em que a leitura pode ser disseminada.

As possíveis taxações podem acarretar em consequências significativas, pois a alíquota de 12% sobre o valor dos livros afetaria não só o consumidor direto, mas toda uma rede de distribuição de livros, que pode ter o seu poder de distribuição severamente reduzido. Afinal, grande parte dos leitores no Brasil ainda precisam ser encorajados e incentivados à leitura através de bibliotecas, programas de fomento, kits escolares e da interação com mediadores, como professores e bibliotecários.

No curto prazo, o acesso restrito a livros pode provocar uma série de problemas, desde questões relacionadas à saúde e à capacidade de exercício da cidadania, às questões relacionadas ao emprego e geração de renda. No longo prazo, compromete o desenvolvimento socioeconômico, em razão do menor fomento à criatividade e à inovação, requisitos fundamentais para a geração de riqueza em um país. A repercussão é a pior possível, haja visto que o hábito de leitura no Brasil é ainda muito baixo. Segundo pesquisa realizada pela Câmara do Livro, em 2015, apenas 56% dos brasileiros eram considerados leitores.

Por Matheus Rocha

 



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