Circuito Gastronômico de Favelas ganha espaço na cultura da cidade

“Rango na Favela”, iniciativa do festival, promete receitas afetuosas e atrações festivas pelas comunidades da capital mineira

Por Rafael Lopes e Raquel Gomes

Cidade conhecida por sediar festivais, mostras e exposições, Belo Hori-zonte é referência quando se trata de movimentações artísticas e pontos turísticos de grande valor cultural. É a capital brasileira com o maior número de Patrimônios Mundiais reconhecidos pela UNESCO, com os melhores índices de consumo cultural e frequência em atividades culturais, segundo pesquisa do Instituto Datafolha.

Um patrimônio da cidade é o Circuito Liberdade. Maior complexo cul-tural da América Latina em seu gênero, conta com 17 instituições locali-zadas no entorno da centenária Praça da Liberdade, com equipamentos de música, literatura, artes plásticas, cinema, mineralogia, ciências, astro-nomia, empreendedorismo e gastronomia. Movimenta o final de semana dos mineiros, se tornando um ótimo lugar para se divertir com a família e adquirir conhecimento.

Outro tradicional espaço da cidade é o Cine Theatro Brasil Vallourec, um prédio da década de 1930, que resgata o estilo francês art déco, visível em figuras geométricas nos vitrais da fachada e nas pinturas das paredes inter-nas do teatro. Além da Praça da Estação, que está ligada à construção de Belo Horizonte, fundada em 1897, para ser a nova capital de Minas Gerais, em substituição a Ouro Preto. Um dos locais preferidos para grandes even-tos e encontros culturais.

BH também é a terceira cidade do Brasil com o maior número de profis-sionais trabalhando em atividades criativas. E entre as diversas possibilida-des de se consumir cultura, Belo Horizonte destaca-se também como um centro nacional da gastronomia.

Além do tradicional
Ao longo dos anos, vários festivais e espaços novos foram tomando gran-des proporções, devido ao grande número populacional da cidade. Entre os espaços que vão além do tradicional, se destacam os centros culturais dentro dos aglomerados, como no Aglomerado da Serra, que abriga mais de 50 mil moradores e é, certamente, o maior complexo de favelas de Minas Gerais. O Baile na Serra das Quebradas é um dos bailes mais conhecidos do aglomerado, com mais de 16 anos de existência, um importante criador de renda e um dos escapes culturais para a comunidade. De acordo com Cristiane Pereira (Kika), organizadora do evento, muitas das vezes, os jo-vens da comunidade não têm acesso a outro tipo de diversão, então o baile se torna o lazer.
Nesse sentido, fica claro que não apenas nos ambientes habituais na ci-dade de Belo Horizonte se consiga aproveitar de cultura. Pelo contrário, a cidade é majestosamente dominada por expressões culturais, onde é pos-sível comer bem e se divertir em vários lugares, podendo se surpreender com as maravilhas que estão fora do Circuito Liberdade. Diversos eventos e iniciativas tornaram a capital de Minas uma das cidades mais delicio-samente divertidas quando se trata de música e comida mineira, bares, festivais, circuitos e eventos. Um prato cheio para quem gosta de se di-vertir e ter seu paladar satisfeito, com muito tempero e histórias recheadas de emoções e conhecimento.
Circuito Gastronômico de Favelas
Em 2017, foi realizada a primeira edição do Circuito Gastronômico de Fa-velas, um projeto que coloca em evidência cozinheiros habilidosos e com muito talento para expor e compartilhar seus deliciosos pratos. “Quando pensei no Circuito, minha intenção era ressaltar essa identidade, promover o intercâmbio e, por meio de parcerias, oferecer ferramentas de empode-ramento, como cursos de capacitação”, explica Danusa Carvalho, ideali-zadora do projeto. Os participantes do Circuito apresentam seus pratos e temperos para o público e disponibilizam essa integração cultural e gastro-nômica por meio de mostruário, com barraquinhas em algumas comunida-des da cidade.
“O mais interessante dessa liberdade é que chegamos a um evento bastan-te espontâneo, em todos os sentidos. Do primeiro ano para cá, percebemos como os participantes estão entusiasmados, com receitas inventivas, tanto na elaboração quanto nos nomes. Eu me sinto muito feliz em fazer parte des-se momento porque são pessoas fortes, são sobreviventes”, exclama Danu-sa. Para participar do Circuito não é necessário usar um tipo específico de tempero ou ingrediente, os participantes oferecem o que fazem de melhor, mostrando suas habilidades, se conectando às pessoas através dos sabores.

 

Comida de Rua é o forte do Circuito Gastronômico de Favelas. Foto: Julia Lanari – divulgação.

Com exposições dos pratos, barracas de artesanato e muitas apresenta-ções musicais, o público consegue aproveitar de perto, e com muita liber-dade, o espaço preparado para o evento, criando memórias que são únicas e, de maneira geral, significativas para todo o processo cultural.

Rango na Favela

Dentro do Circuito Gastronômico de Favelas, foi criada a iniciativa online#RangonaFavela, lançada nas comunidades da capital mineira. A hashtag é conhecida por mostrar receitas e atrações turísticas pelos becos e vielas das comunidades. Com a proposta de ajudar na renda dos microempreendedo-res das comunidades, o Circuito e a ação Rango na Favela têm incentivo de um programa cultural do governo do estado, o +Gastronomia. Inicialmente, o Circuito passou por desafios, como o circular entre comunidades e, atu-almente, com a pandemia, ainda precisou reorganizar as edições de forma online e com temas especiais. Para o ano de 2021, a abordagem também foi de forma remota, sobre momentos afetivos, narrando as memórias e sa-bores da infância e reproduzindo os pratos e seus sabores.

O Rango Na Favela possibilita a interação de moradores e não moradores, conhecendo negócios e novos sabores que antes eram desconhecidos e tornando cada vez mais presente a troca de conhecimento e experiências entre os participantes. Para Dona Dirce, uma das cozinheiras e participan-tes da edição de 2020, a melhor comida feita em BH está nos aglomera-dos. “Projetos como esse são ótimos, incentivam a gente. A gente precisa crescer e ter oportunidade para isso”.

A final da competição conta com evento em praça, onde barracas são montadas para cada participante comercializar suas iguarias. Foto: Julia Lanari – divulgação.

Danusa Carvalho, coordenadora e organizadora do Circuito Gastronômi-co de Favelas, conta que a prefeitura de Belo Horizonte ajuda na iniciativa através da Lei Municipal de Incentivo à Cultura e que, desde a criação do projeto, foram feitas várias mudanças, com pratos diversificados, melhor di-nâmica entre os participantes e a formação de equipe.

Memória Gustativa

O projeto, mesmo online, não se limita à comida. As lives de 2021 abordam um pouco da história de cada comunidade, mostram artistas que moram ali e ações locais, como hortas comunitárias. O impacto que o projeto oferece para as comunidades é muito além do que apenas econômico, divulgan-do talentos que muitas vezes não são conhecidos pela grande população.

Com diversidade nos pratos e nas trocas oferecidas, a beleza da iniciativa é valorizada cada vez mais entre o público e todos envolvidos, tornando cada vez mais reconhecida a iniciativa e mostrando que Belo Horizonte é rica em sabores e histórias que merecem ser contadas e admiradas.

Um dos gatilhos que tornam o evento mais atrativo é a memória gustativa que é comum entre as pessoas, pois têm alimentos que aguçam nossas melhores sensações e lembranças. Segundo alguns nutricionistas, é uma sensação involuntária que faz com que as pessoas tenham uma lembrança de um alimento consumido no passado. Um exemplo é quando passamos em frente à uma padaria que está assando pão de queijo e, logo, aquele aroma remete à época em que se frequentava a casa da avó, ou seja, o gos-to e a imagem ficam guardados.

Alguns dos objetivos primordiais do evento são valorizar, consolidar e difundir a identidade gastronômica como patrimônio das comunidades brasileiras, através das trocas de histórias, conhecimentos e sabores que prometem oferecer uma experiência única, criando integração entre as co-munidades e construindo um vínculo imprescindível para o bem comum. Entre as lives, estão disponíveis cursos de preparo de pratos, utilização de temperos e novas maneiras de contar histórias através dos pratos ensina-dos. Em 2022, há a expectativa de que o evento possa novamente aconte-cer de maneira presencial.



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