Assegurar uma vida saudável e o bem-estar das mulheres é o principal objetivo das iniciativas de luta contra a escassez de recursos de higiene menstrual.
Por Emannuelly Gomes e Gracielle Sol
Nos últimos meses, a escassez de recursos para que as mulheres se cuidem durante o ciclo menstrual ganhou maior notoriedade. Com a pandemia da Covid-19 e a grande crise econômica surgida neste período, a dura realidade dessas mulheres de baixa renda se intensificou. Contudo, uma das principais motivações para a visibilidade dada ao assunto foi o veto do presidente Jair Bolsonaro (PL) a um projeto que visava a distribuição gratuita de absorventes no Brasil.
Com isso, o termo “pobreza menstrual” alcançou o pico máximo de popularidade de uma expressão na principal plataforma de buscas na internet, o Google. A partir do final de agosto, já era possível observar um crescimento significativo nas pesquisas. No entanto, entre 3 e 9 de outubro foi registrado o maior valor total para o índice de interesse do termo.
Outra pesquisa relacionada ao tema, e que também está em ascensão, é o questionamento sobre o conceito de pobreza menstrual. Porém, para entender a ocorrência do fenômeno, precisamos compreender o que é menstruação e quais os cuidados necessários que as mulheres devem ter durante o período.
A etapa faz parte da natureza de todas pessoas com sexo biológico feminino. A menstruação é a descamação das paredes internas do útero quando não há fecundação. Essa descamação faz parte do ciclo reprodutivo da mulher e acontece todo mês. O corpo feminino se prepara para a gravidez, e quando esta não ocorre, o endométrio – membrana interna do útero – se desprende. O fluxo menstrual é composto por sangue e tecido uterino. Além disso, a perda de sangue ocorre periodicamente, em função dos estímulos hormonais. Assim, a superfície do endométrio se rompe e é excretada pela vagina. Normalmente, a primeira menstruação ocorre por volta dos doze anos de idade.
Muitas pessoas acreditam que passar por estes períodos mensais é simples. Coloca um absorvente e tudo estará resolvido. Entretanto, esses ciclos podem ser mais complexos que o esperado. O médico ginecologista, Leonardo Goodson do Nascimento, explica que certos cuidados são de extrema importância para o bem-estar geral da mulher nestes momentos que fazem parte da natureza feminina. O principal, segundo ele, seria o bem-estar físico, em especial dos órgãos genitais. O especialista enumera, ainda, quais as principais cautelas que as mulheres devem ter.
Ainda de acordo com o ginecologista, se essas precauções são negligenciadas, podem acarretar patologias físicas como irritações locais e corrimentos variados, provocando odores indesejados. Mas, infelizmente, não são todas as pessoas que têm condições de tratar da saúde menstrual corretamente.
POBREZA MENSTRUAL
O estado de pobreza menstrual vai além das baixas condições para comprar absorventes e os demais produtos de higiene indicados. É uma circunstância que ainda enfrenta as barreiras de acesso à água, a falta de recursos e infraestrutura, como o saneamento básico, a desigualdade social e até mesmo a desinformação.
Uma pesquisa realizada pela marca Sempre Livre estima que 22% das meninas de 12 a 14 anos, no Brasil, não possuem condições de adquirir produtos de higiene no período menstrual. Os números sobem para 26% quando se trata de jovens entre 15 e 17 anos.
De acordo com outro levantamento, realizado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), 713 mil meninas brasileiras vivem sem banheiro ou chuveiro em casa. Além disso, dados da ONG Trata Brasil mostram que a falta de saneamento básico complica a rotina de cuidados sugerida pelo ginecologista Leonardo Goodson, já que 15 milhões de brasileiros não têm acesso a água tratada e 26,9 milhões vivem sem tratamento de esgoto.
Neste cenário, torna-se inviável lidar com a menstruação quando as condições básicas são tão precárias. Em 2014, o direito à higiene menstrual foi reconhecido como um direito humano pela Organização das Nações Unidas (ONU). A falta de estrutura e condições para adquirir utensílios de cuidados femininos precisa ser tratada como uma questão de saúde pública e direitos humanos.
Júlia Andreo, representante do projeto Absorver & Florescer, de São Paulo, que tem como objetivo combater a pobreza menstrual, afirma que “durante a menstruação, ter acesso aos instrumentos básicos de cuidado para esse período é fundamental. Além de prevenir doenças e infecções, obtidas pelo uso de materiais indevidos, ter os meios de controlar seu fluxo menstrual permite que essas meninas e mulheres possam viver suas vidas com normalidade, sem precisarem estar em situações em que não podem sair de casa para o trabalho e escola, por conta do sangue menstrual. Possuir um absorvente vai muito além da saúde ginecológica, ele é sinônimo de liberdade e dignidade”.
Com os impactos da pandemia do novo coronavírus, que teve seu início, no Brasil, no primeiro semestre de 2020, houve um crescimento geral no número de brasileiros que estão em situação extrema de carência. Já são mais de 27 milhões de pessoas em estado de extrema pobreza, de acordo com dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Em consequência, o aumento da pobreza menstrual também é significativo.
Muitas mulheres, que se encontram em situação de vulnerabilidade social, precisam escolher entre a comida e os itens básicos de higiene menstrual para aquele mês, e a escolha sempre pende para o lado da alimentação básica daquela família, segundo Júlia Andreo. Ela ainda conta que essa realidade de carência financeira faz com que mulheres procurem meios alternativos para segurar seu fluxo menstrual. “Esses meios variam entre miolo de pão, jornal, papelão, papel e outros materiais pouco seguros, que usados dessa maneira representam um grande risco para infecção e doenças, colocando a vida dessas mulheres em risco todos os meses”.
Tais meios podem causar, além de desconforto físico, doenças graves no corpo e na mente, colocando em risco o bem-estar das mulheres. Porém, falar sobre menstruação ainda é constrangedor para muitas delas. Apesar de Júlia Andreo e o médico Leonardo Goodson terem sido ouvidos separadamente, ambos concordam que a menstruação sempre foi vista como algo sujo e impuro, um tabu cultural completamente equivocado. No entanto, o ciclo faz parte da natureza feminina. Por isso, é essencial que o enxerguemos como algo normal, esta ideia infundada de impureza precisa ser desconstruída.
É POSSÍVEL MUDAR O CENÁRIO ATÉ 2030?
De certa forma, a situação de precariedade menstrual vivida por algumas mulheres é um problema que destoa da agenda mundial de objetivos e metas a serem cumpridos até 2030, mais conhecidos como Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Os compromissos foram adotados durante a cúpula das Nações Unidas, em setembro de 2015, e propõem que governos, empresas, instituições de ensino e a sociedade possam agir pensando não só em tornar o presente mais próspero, mas também garantir o futuro das próximas gerações.
Ligada às necessidades humanas, de saúde, educação, melhoria da qualidade de vida e justiça, o tópico saúde e bem-estar corresponde ao ODS 3, que pretende assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos. Neste tópico, se inclui a questão da pobreza menstrual e o que podemos fazer para beneficiar as mulheres que passam por isso.
O primeiro e mais hábil meio de contribuir para a diminuição da precariedade menstrual é garantir o acesso a absorventes. Alguns países, como a Escócia, a Inglaterra e alguns territórios estadunidenses, possuem leis que asseguram a distribuição de produtos menstruais. No Brasil, porém, o presidente Jair Bolsonaro (PL) – em 7 de outubro – barrou o projeto de Lei nº 4968/19, já aprovado pelo Senado, que previa a distribuição gratuita de absorventes para estudantes dos ensinos fundamental e médio, mulheres em situação vulnerável e presidiárias. Bolsonaro justifica a medida alegando que o Congresso não previu fonte de custeio para essas ações.
A suspensão do projeto não causou boa repercussão para o governo Bolsonaro na mídia e nas redes sociais. No entanto, impulsionou a movimentação de diversas ações que incentivam o combate à pobreza menstrual com o propósito de reverter a situação. Projetos recolhem arrecadações e doam para pessoas e comunidades carentes. “Isso é o básico do básico, e deveria ser uma lei. O projeto não precisaria existir se todas as pessoas tivessem acesso às condições básicas”, é o que diz Mariana Madureira, uma das representantes do projeto Dona do Meu Fluxo, parceria entre a Korui Ciclos de Vida e a Raízes Desenvolvimento Sustentável — instituição da qual Mariana faz parte. Sem fins lucrativos, a associação nasceu em 2017, quando as fundadoras entenderam a gravidade da pobreza menstrual.
Além de distribuir coletores menstruais para mulheres em situação de vulnerabilidade social, o programa desenvolve workshops que apresentam diversos temas associados ao corpo e à saúde feminina, em que todos, até mesmo homens, podem participar. Já realizaram ações no Vale do Jequitinhonha e, por duas vezes,
na Amazônia, em parceria com a Natura, quando mobilizaram comunidades de mulheres que trabalham com as castanhas para os produtos da marca de cosméticos. No entanto, trabalham de variadas formas, realizando, também, editais para que as pessoas que queriam participar se inscrevam. Além disso, contam com parceiros locais para chegar até as comunidades desejadas.
Apesar de ser um projeto de abrangência nacional e meios sustentáveis, o Dona do Meu Fluxo esbarra em alguns obstáculos. “Nós temos um diferencial maravilhoso, o coletor menstrual é mais ecológico, mais sustentável, uma alternativa mais avançada do que o absorvente comum. Mas, ao mesmo tempo, não podemos distribuir para pessoas que não têm condições básicas de higiene, por ser um produto que a gente introduz dentro do canal vaginal. Se ele não estiver devidamente higienizado, ele pode levar a uma infecção”, relata Mariana Madureira.
Felizmente, existem outros projetos, e apesar de ser incipiente, a representante da iniciativa conta que parcerias podem acontecer. Os projetos trocam conhecimentos e, quando necessário, repassam as demandas que fogem do seu público.
CONHEÇA ALGUNS PROJETOS:
Dona do meu Fluxo – Projeto social nacional, nasceu na união da Korui Ciclos de Vida e da Raízes Desenvolvimento Sustentável. A iniciativa, além de promover workshops sobre os tabus da menstruação, oferece coletores menstruais em comunidades necessitadas. Para ajudar: acesse a página do projeto.
Região Sul
Absorvendo Necessidades (Blumenau – SC): a iniciativa vai ao encontro da população carente da cidade para doar utensílios de cuidado básico. Para ajudar: Pix: E-mail – [email protected]
Absorventes do Bem (Porto Alegre – RS): a iniciativa arrecada e distribui absorventes para população em situação vulnerável. Para ajudar: pontos de coleta da cidade e via Pix.
“Eu Menstruo”: campanha feita pela Prefeitura de Pelotas (RS), faz a arrecadação de absorventes para necessitados. Para ajudar: acesse o site da prefeitura para encontrar os pontos de coleta na cidade.
Região Sudeste
Absorvendo Amor (Rio de Janeiro – RJ): a ONG doa absorventes e oferece palestras sobre saúde para alunas nas escolas públicas do Rio de Janeiro. Para ajudar: Pix: CNPJ – 40.127.752/0001-32
Absorvendo o fluxo (Botucatu – SP): o projeto social faz a doação de absorventes reutilizáveis para pessoas em situação de rua nas regiões de Botucatu e Barra Bonita. Para ajudar: Pix: [email protected]
Absorver & Florescer (São Paulo): o grupo compra e recebe absorventes, que são organizados em kits individuais e direcionados para instituições que atendem pessoas em vulnerabilidade social ao redor da cidade. Para ajudar: Banco Nu Pagamentos | Ag.: 0001 | Conta 8913a9352-5 | CPF: 527.387.468.88
Cruz Vermelha (Centro de Belo Horizonte – MG): recolhem doações, que podem ser entregues na sede da entidade, localizada na Alameda Ezequiel Dias, 427, no Centro de BH, de segunda a domingo. Para se informar: 3239-4227.
ES Solidário (Vitória – ES): a campanha do governo recolhe doações de absorventes, alimentos e itens de higiene. Para ajudar: basta levar os itens em uma unidade do Corpo de Bombeiros ou na Defesa Civil do município.
Eu tô de Chico (Niterói – RJ): a iniciativa oferece absorventes e peças íntimas para projetos sociais no Rio de Janeiro e em Niterói. Para ajudar: doações de itens de higiene, calcinhas e absorventes nos pontos de coleta.
Flores de Resistência (Periferia de Belo Horizonte – MG): o projeto distribui itens básicos para a saúde da mulher. Para ajudar: doações via Picpay.
Fluxo Sem Tabu (São Paulo – SP): o grupo recebe doações por meio de arrecadação online. O dinheiro é encaminhado para outras instituições que ajudam pessoas vulnerabilizadas. Para ajudar: acesse a página do Fluxo Sem Tabu.
Girl Up Marília (Marília – SP): o grupo faz a doação de absorventes na cidade de Marília, no interior paulista. Para ajudar: aceita pacotes de absorventes. Coleta na Rua Olavo Bilac, 369, bairro São Miguel – Tel.: (14) 3402-4411.
Girl Up RJ (Rio de Janeiro – RJ): recolhe doação de absorventes para populações carentes da cidade. Como ajudar: via PIX, informações na página do projeto.
Las Chicas de Chico (Belo Horizonte – MG): projeto social que promove a distribuição de suprimentos menstruais para mulheres em situação de vulnerabilidade social. Para ajudar: acesse a página do projeto.
Mudando Fluxos (Vitória – ES): o grupo recolhe absorventes e repassa para população em situação de vulnerabilidade. Para ajudar: Pix: e-mail – [email protected].
Nós, Mulheres (São Paulo – SP): a ONG doa absorventes para mulheres presas. Para ajudar: acesse a página da Vakinha do grupo.
Região Centro-Oeste
Mudando Fluxos (Ponta Porã – MS): o grupo recolhe absorventes e repassa para população em situação de vulnerabilidade. Também atua no estado do Espírito Santo. Para ajudar: Pix: e-mail – [email protected]
Região Nordeste
Ciclo solidário (Recife – PE): um grupo de universitárias doam absorventes para estudantes do ensino público. Para ajudar: Pix: e-mail – [email protected] Transferência: Banco Inter: 077 | Agência 0001-9 | Conta: 138086508 | Gabriela Peres Fonseca