Por Fernanda Freitas, 8° período de Jornalismo
O histórico de participação feminina na política e suas implicações na atualidade
No século XVII, começaram a emergir no mundo ocidental as primeiras democracias, apoiadas nos ideais iluministas de Alexis de Tocqueville, Charles de Montesquieu, John Locke, Jean-Jacques Rousseau e Voltaire. Nos novos sistemas democráticos implementados, políticos eram escolhidos pelos cidadãos, mas o poder do voto era vedado às minorias sociais, como mulheres e analfabetos.
No século XIX, as mulheres iniciaram um conjunto de movimentações em busca de igualdade política e jurídica. O movimento começou com mulheres estudadas, da classe burguesa, mas, posteriormente, mulheres de classes mais baixas também aderiram à participação. Essa primeira onda feminista teve como marco a luta pelo direito à cidadania, como educação, posses de bens, divórcio e participação política e, principalmente pela luta sufragista.
As ações das sufragistas começaram a render frutos ainda no fim do século XIX. A Nova Zelândia, por exemplo, foi o primeiro país democrático a permitir o voto feminino, em 1893. O movimento, na Inglaterra, foi o mais combativo em todo ocidente, e garantiu o voto feminino em 1918. No Brasil, o direito foi conquistado em 1932, e incorporado à Constituição dois anos depois, durante o governo do presidente Getúlio Vargas. A decisão previa o direito apenas às pessoas alfabetizadas, e foi parte das novas medidas anexadas pela reforma eleitoral.
Ainda que sob a dura realidade para mulheres no que se refere à política, nas eleições de 1928, a cidade de Lajes, no Rio Grande do Norte, já havia elegido uma prefeita mulher: Alzira Soriano. Uma lei estadual, que autorizava a participação feminina na política, tornou Alzira a primeira mulher na América Latina a ocupar um cargo no executivo.
Uma forma de violência
Passados 86 anos desde a conquista ao voto feminino, o cenário político e social do país passou por intensas transformações, mas a presença feminina ainda é pequena em todas as esferas da política nacional. Mesmo com o estímulo à participação feminina por meio da chamada cota de gênero, previsto no artigo 10, parágrafo 3º, da Lei das Eleições, em vigor desde 1997, que estabelece que 30% das candidaturas devem ser destinadas às mulheres, o cenário teve poucas mudanças significativas, com aumento de 5,6% para 15% em vinte anos da lei.
Dados do Senado, de 2016, mostram que, em 20 estados brasileiros, a porcentagem de mulheres ocupando cargos políticos não chega a 16%. O estado com o cenário mais equilibrado era o Amapá, com 41%. Bárbara Lopes, doutoranda em Ciência Política e membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher, da Universidade Federal de Minas Gerais, reforça a ideia de que as mulheres ainda são excluídas do cenário político do país.
“Temos 150 milhões de eleitoras em um país onde 52,46% da população é feminina, e onde temos 7 milhões a mais de mulheres eleitoras do que homens. Ao mesmo tempo, convivemos com uma sub-representação política de mulheres em todos os níveis de poder. Estamos bem abaixo da média mundial de representação feminina, que é em torno de 25%, de acordo com o Fórum Econômico Mundial, chegando apenas a 15% na média nacional. Esse cenário configura, portanto, uma verdadeira exclusão política das mulheres no país”.
Segundo o Inter-Parliamentary Union, o Brasil é um dos piores países em termos de representatividade feminina na política, assumindo a 157° posição, em um ranking de 196 países. Se tratando da América Latina, o país é o terceiro menor em representatividade. Para Bárbara Lopes, esse cenário expõe uma violência política sistemática contra as mulheres, “que impede o acesso das mulheres aos espaços de poder e que torna a permanência dessas mulheres nesses espaços muito difícil”.
Andréia de Jesus (PSOL), deputada estadual eleita em 2018 para seu primeiro mandato na Assembleia Legislativa de Minas Gerais e uma das 4 integrantes do mandato coletivo Gabinetona traz ao debate a violência política contra as mulheres negras, que tem em seu maior exemplo o assassinato de Marielle Franco. “São muitos atos de violência política que enfrentamos, silenciamentos, chacotas, intimidações”. A deputada também ressalta a importância de ter mulheres negras ocupando locais que, historicamente, serviram para perpetuar a repressão. “Vamos abrindo caminho para que mais de nós possam estar nesses espaços, algo o que vimos nessas eleições”, observa.
Para Andréia, é necessária união entre as mulheres para reverter esse cenário:
“Estarmos juntas é fundamental para resistir nesses ambientes que sempre tentam nos expulsar. Levamos para a política institucional práticas e tecnologias que já são do repertório das mulheres: o fazer em roda, o letramento, a cultura e a festa. Estamos mostrando que existe outro jeito de estar na política, sem ser pela lógica individualista que perpetua o poder dos homens brancos”
Candidaturas laranja
Um dos grandes desafios para o aumento da presença feminina na política são as campanhas laranja. Diversos partidos brasileiros cumprem a cota de 30% de candidaturas de mulheres apenas no papel, mas não há destinação de recursos ou promoção de campanhas para que essas mulheres sejam eleitas. E os recursos destinados às suas campanhas são desviados para outros candidatos.
Uma pesquisa de duas professoras do Reino Unido e dos Estados Unidos, Malu Gatto, da University College London e Kristin Wyllie, da James Madison University, revela a proporção dessas campanhas laranja e expõe como esta é uma prática frequente entre partidos políticos brasileiros.
Com base nos dados das eleições de 2018, as pesquisadoras afirmam que 35% das candidaturas femininas para a Câmara dos Deputados foram de candidaturas laranja. Pela ínfima quantidade de votos que receberam (menos de 320), é possível inferir que não houve campanha. O estudo não analisou apenas o número de votos para identificar as candidaturas laranja.
A pesquisa também aponta que, com exceção do Partido Novo, todas as legendas com representação no Congresso Nacional tiveram ao menos 10% de possíveis campanhas laranjas entre candidatas à Câmara dos Deputados. Os números do Partido Novo atingiram os 2%. E no outro extremo, o PSL é o partido com maior percentual, somando 16% do total de candidaturas.
Em 2019, o então ministro da Secretaria Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, foi exonerado do cargo após a Folha de São Paulo revelar, em reportagem, um esquema de candidaturas laranja do PSL, para desvio de verbas públicas. Bebianno foi o responsável pela liberação de verba a todos os candidatos do partido nas eleições do ano anterior.
Eleições 2020
As eleições deste ano tiveram recorde de candidaturas femininas: 33,6%, conforme os dados da Justiça Eleitoral. Crescimento ainda tímido, mas que superou os índices das três últimas eleições, em que não se passou dos 32%.
Conforme mapeamento da Associação Nacional de Transexuais e Travestis (Antra), foram eleitas, em 2020, 28 travestis e mulheres trans. Destas, 7 foram as mais votadas em suas cidades. A vereadora de Belo Horizonte, Duda Salabert, é uma delas. A candidata obteve mais de 37 mil votos, se tornou a primeira mulher trans a exercer o cargo no município e é a vereadora mais votada na história de BH.
Crédito: Reprodução/Instagram. Aumento de representação trans em cargos executivos pode sinalizar um eleitorado mais aberto à mudanças no cenário político.
A pesquisadora Bárbara Lopes vê o aumento de mulheres trans eleitas como um bom sinal para a representação de minorias de modo geral. E que pode indicar anseio de mudanças por parte do eleitorado. “Podem surgir como respostas potentes ao cenário de exclusão política de mulheres e de pessoas marginalizadas na nossa sociedade”, enfatiza.
O número de candidatas eleitas para a Câmara de Vereadores de BH quase triplicou, com aumento de 4 vereadoras para 11, um aumento de 16%. Mas para Bárbara Lopes, ainda há muito a ser feito. “Ainda observamos, no processo de construção das candidaturas, e das campanhas políticas, falta de apoio partidário e o não cumprimento da decisão do TSE, de 2018, de garantir 30% dos recursos do fundo eleitoral e do tempo de propaganda eleitoral gratuita para as mulheres candidatas de cada partido”, explica.
A deputada Andréia de Jesus defende que, sozinho, o sistema de cotas de candidaturas não consegue sanar todas as dificuldades que as mulheres enfrentam. “As cotas sozinhas não dão conta de diversas barreiras que são colocadas na vida política das mulheres, principalmente das mulheres negras”, afirma.
Lopes acredita que são necessárias ações dos partidos políticos que tenham como intuito inserir as mulheres nos processos de deliberação, decisão e distribuição dos recursos. “Os partidos políticos são os grandes guardiões do jogo político brasileiro e, portanto, as mulheres precisam incidir sobre essas instâncias para garantir candidaturas competitivas”, ressalta.