Lei Maria da Penha completa 15 anos e Brasil tem poucos motivos para comemorar

Violência doméstica cresceu na última década e pandemia agrava a situação

Por Karen Santos, aluna do 8º período Jornalismo do UniBH

Aos 15 anos, a menina sonha em ter uma festa para simbolizar a passagem da infância para a juventude – valsa, anel, príncipe e um amor para toda a vida. Este é o roteiro de um conto de fadas em que as jovens garotas sonham viver uma linda história. Contudo, a realidade para muitas delas remete a experiências bem menos encantadoras. A cada ano, milhares de mulheres são vítimas de violência doméstica. O ambiente que deveria proporcionar acolhimento, segurança e afeto torna-se um calabouço de horrores e, em alguns casos, o final é marcado pela morte.

Em 2021, a Lei Maria da Penha completa 15 anos. E assim como as jovens que esperam uma vida de sonhos, o código também trazia a esperança de uma mudança na realidade brasileira no que diz respeito à violência contra a mulher.

Sancionada em 7 de agosto de 2006, a lei prevê punição para a violência física, sexual, patrimonial, psicológica e moral cometidas no ambiente familiar e doméstico. A partir dela, outros instrumentos também foram criados, como novos juizados especializados. Até então, não havia Lei específica no país e os crimes domésticos praticados eram julgados em conformidade com a Lei  9.099/95, que trata de crimes considerados de menor potencial ofensivo.

Após sofrer pressões das organizações internacionais, dentre elas a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que responsabilizaram o Brasil por negligência, omissão e tolerância em relação à violência praticada contra as mulheres brasileiras, a  Lei Maria da Penha foi sancionada.

Apesar de ser considerada, pela Organização das Nações Unidas (ONU), uma das três leis mais avançadas do mundo com relação a este tipo de violência, os crimes no Brasil continuaram a crescer. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) indicam que a taxa de homicídios contra as mulheres está em uma crescente no Brasil. A publicação Atlas da Violência, de 2019, demonstrou um aumento expressivo de 30,7% no número de homicídios de mulheres no país entre os anos de 2007 a 2017. No último ano da série, inclusive, foi registrado um aumento de 6,3% em relação ao ano anterior.

Outro estudo publicado pelo instituto confirma os dados alarmantes. O TD 2501 – Participação no Mercado de Trabalho e Violência Doméstica contra as Mulheres no Brasil indicou que a violência contra mulheres é três vezes maior do que o registrado com homens e que, em 43,1% dos casos, a violência ocorre no domicílio.

Ainda segundo a pesquisa, no que se refere à procura pela polícia após a agressão, muitas mulheres não fazem a denúncia por medo de retaliação ou impunidade: 22,1% delas recorrem à polícia, enquanto 20,8% não registram queixa. O texto traz à tona outra discussão importante no contexto macrossocial. Os reflexos desta violência são palpáveis também quando analisadas as perdas econômicas e de produtividade, os gastos do Sistema Único de Saúde (SUS) com as vítimas, a menor participação da mulher no mercado de trabalho e as consequências da violência na vida de crianças que presenciam este tipo de crime.

Neste ano, no Dia Internacional da Mulher (8/3), o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos divulgou um relatório de registros do Ligue 180 e Disque 100. No ano passado foram mais de 75 mil denúncias e, deste total, 72% foram de violência doméstica. As vítimas são mulheres entre 35 e 39 anos em condições socioeconômicas frágeis – elas têm, principalmente, ensino médio completo e com renda de até um salário mínimo. Um agravante deste cenário é a pandemia. A redução da renda associada ao aumento do consumo de álcool no período de isolamento social está entre possíveis gatilhos para agressões.

É evidente que ainda há muito o que se discutir para consolidar a consciência social acerca de tais fatos. A violência doméstica traz inúmeras outras questões que precisam ser debatidas, dentre elas a necessidade de uma cultura que refute a violência em todas as instâncias, gêneros e formas e também sobre o reconhecimento do protagonismo da mulher na sociedade, o que resultaria em mais autonomia, influência, segurança e tantas outras condições necessárias para a dignidade humana.

Desde que foi sancionada, a Lei Maria da Penha possibilitou a regulamentação de medidas protetivas de urgência para prevenir e garantir a integridade física e moral da mulher. Porém, mesmo com a sua existência e aplicação em casos que tomaram grandes proporções na mídia, ela não tem sido suficiente para inibir os crimes e, infelizmente, ainda não é possível vislumbrar um futuro melhor para muitas mulheres que vivem sob o medo de ameaças e violência doméstica.

Ainda assim, mulheres e toda a sociedade devem permanecer na luta. É necessário denunciar até que a justiça seja feita. Até que não haja medo. Até que o direito de escolha seja respeitado. Até que se encontre, no mundo, um lugar de refúgio para quem grita por socorro. Até que seja possível acreditar em um outro final para as mulheres que sofrem violência doméstica. Até que cada uma delas tenha liberdade para viver e serem protagonistas de sua própria história.

 

 



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