Nota dez em educação e humanidade

A Biblioteca Comunitária Graça Rios é exemplo em solidariedade e no incentivo à prática de leitura entre jovens de Belo Horizonte

Por Ivan Ribeiro e Herculles Barcellos

A Biblioteca Comunitária Graça Rios é um espaço dedicado à expansão do aprendizado e da cultura entre jovens de classes mais baixas da região da Pampulha, na capital mineira. A maneira como suas ações são exercidas, “sempre priorizando a assistência pedagógica e a demonstração do afeto em irmandade”, já conquistou reconhecimento nacional.

Na origem, o projeto se definiria como um local apropriado especificamente para atender às necessidades de determinado indivíduo que se interessasse pela busca da informação e do conhecimento. Depois disso, ao longo dos anos, desenvolveu a viabilidade de conseguir conectar pessoas que apre-sentam dificuldades de acesso com inúmeros tópicos relacionados à cultu-ra, história, questões sociais e às demais diversidades presentes no ensino. Atualmente, dentro da instituição, estão disponibilizados aos jovens o aces-so a aulas de reforço, salas de informática, aulas de inglês, aulas de violão, aulas de pilates, casas de família especializadas para o ensinamento dos alunos, dança de salão, aulas personalizadas para dança, reforço priorizado para ensino escolar e para jovens que estão em preparação para vestibula-res, além de assistência médica com consultórios e profissionais qualifica-dos para o atendimento quando necessário.

Sala de informática para aulas de reforço. Foto: Ivan Ribeiro.
A história das bibliotecas comunitárias

Segundo a projeção de Oswaldo Francisco de Almeida Júnior, “Biblioteca Pública: Avaliação de Serviços”, as bibliotecas comunitárias se iniciaram no Brasil entre os 1928 e 1930. Entretanto, somente em 1978 foi efetua-da alguma publicação dissertando o termo “Bibliotecas Comunitárias” ex-posto em algum documento, essencialmente como publicação da literatura especializada da área de biblioteconomia naquele período. Esse conceito pode ser interpretado como forma de agregação, onde são aproximados os contextos de “público e comunitário”. Assim, buscando se popularizar de maneira a ser melhor reconhecida dentro da comunidade sem que ocorram modificações na constituição. Por seguinte, destacando uma oportunidade para contribuir no combate à exclusão social.

A sua abundante representatividade no meio social é enquadrada na con-dição de promover melhorias em cima de um problema que é recorrente em deliberada regionalidade, disponibilizando um material educativo adequado para que se possa ter a finalidade de incentivar o aprendizado através dos estudos. Por sua vez, a principal preeminência é a obtenção de livros em sua sede e a preocupação com o próximo em pontos relevantes à informação.

Entretanto, conseguir esses objetos não é simples no Brasil. A diferença exorbitante entre seus preços, “comparados ao ganho populacional men-sal”, interfere severamente, impedindo, em grandes casos, a aquisição dos exemplares. Dessa forma, é papel da biblioteca comunitária se prevenir para que a compra dentro do orçamento proposto apresente quantidade e qua-lidade suficiente para viabilizar a leitura e um reforço estudantil oportuno entre os seus usuários.

A criação da Graça Rios 

Vanilda de Jesus Pereira, de 58 anos, sempre foi uma mulher incessan-temente apaixonada pela leitura. Começou a adquirir o gosto pessoal pela literatura ainda em sua adolescência, quando iniciou a leitura dos primeiros livros e percebeu a importância que essa prática tinha na construção da educação de todos os jovens no mundo. Natural de Confins, município lo-calizado na Região Metropolitana de Belo Horizonte, saiu da cidade natal em direção à capital aos 14 anos, em busca de trabalho em casas de família.

Certa tarefa, dentro desse trabalho em “casa de família”, era cuidar da orien-tação escolar da filha de sua patroa. Um dia, resolveu ler para a menina o fa-moso romance de Bernardo Guimarães, Escrava Isaura. Com isso, começou a se interessar bastante pelo conteúdo da obra e decidiu lê-lo em seu quarto ao anoitecer dos dias. Numa ocasião, a chefe foi solicitar auxílio para cuidar da filha que, na época, se encontrava bastante doente, e a pegou lendo um de seus exemplares. Consequentemente, foi demitida, pois, de acordo com a contratante, ela não estava sendo paga para ficar lendo. Porém, essa data é considerada muito importante na vida de Vanilda, já que a partir desse momento ela decidiu criar algo que beneficiasse a vontade de ensinar.

No início, ela passou por constantes necessidades e chegou a catar papéis nas ruas. Muitas vezes, encontrou muitos livros jogados no lixo e os levou con-sigo. Nesse mesmo período, Vanilda deixava separado parte de seu salário em doações à sua igreja. Daí em diante, passou a utilizar essa mesma quan-tia na compra de livros e iniciar o seu sonho de possuir a própria instituição.

“Eu fui mandada embora tarde da noite, eu estava na casa da minha patroa, aí eu fiquei desesperada e, no impulso, falei que, um dia, eu emprestaria os livros. Ela confirmou, falou algumas besteiras, mas eu sou de cumprir o que eu falo desde criança. Eu comecei em 1977, quando eu recebia o meu pa-gamento, eu comprava um livro e o guardava em uma caixa, porque eu só queria um espaço próprio em que eu pudesse guardar meus livros. Com o tempo, foi crescendo e surgiu a oportunidade de criar uma biblioteca”. Vanilda também explica a origem do nome da fundação como homenagem à escritora e professora de literatura da Universidade Federal de Minas Ge-rais – UFMG, Graça Rios, com quem conseguiu estabelecer um forte laço de amizade. “Eu conheci a Graça Rios, ela é uma pessoa muito gente boa. Sou grande fã dela. Outro dia ela passou aqui para recitar poesia, dar aula para o pessoal e tocar música clássica. Nos tornamos grandes amigas. Vale muito a pena conhecê-la”.

No final dos anos 80, passou a receber doações de livros e utilizá-los no intuito de auxiliar as crianças do bairro São Francisco, onde morava, com as atividades escolares. Vanilda e alguns outros moradores da região foram de-sapropriados do local em que viviam para que a prefeitura pudesse ampliar uma avenida próxima ao lugar. Ela se mudou para o bairro Céu Azul, onde viveu até receber do governo a indenização pela expropriação. Mas, mesmo obtendo boa quantia, optou por priorizar a bondade e compartilhar o que recebeu com a comunidade, ao comprar um lugar que suportasse sua casa, um espaço da biblioteca e um lote, a fim de efetivar a construção de uma fu-tura casa que pudesse aproximar idosos e crianças. Hoje, existem cerca de 22 mil publicações em seu estabelecimento. No decorrer do tempo, a bi-blioteca foi se expandindo e foram desenvolvidas muitas bibliotecas comu-nitárias em que a colaboração de Vanilda no planejamento esteve presente.

Em seguida, aconteceu o que mudaria totalmente a sua vida. O apresen-tador Luciano Huck descobriu toda a história e, no seu programa, procurou Vanilda e a ajudou com seu sonho: construiu a Casa do Grande Coração, na rua Gláuber Rocha, no bairro Vila Paquetá. Dessa forma, as atividades foram se amplificando com a presença de voluntários na moradia.

Vanilda recebe prêmio de Luciano Huck. Imagem: reprodução Globo.
A importância de uma biblioteca comunitária

O acervo do acesso à educação nas comunidades sempre foi um contra-tempo que presenciou momentos de bastante desigualdade e ineficácia. A acessibilidade de indivíduos vindos das periferias se encontra absolutamen-te precária com relação às bibliotecas públicas, o que promove a escassez de serviços sociais básicos e prejudica a formação intelectual das pessoas do local. Segundo um levantamento de dados proposto pela edição 2020 do Retratos da Leitura no Brasil, as pessoas consideradas de renda carente possuem mais dificuldades para utilizar uma biblioteca. 67% dos leitores no Brasil são considerados de classe A, 63% de classe B, 53% de classe C e apenas 38% de classes D ou E.

É a partir de tudo isso que as bibliotecas comunitárias se destacam, de-vido a forma de buscar essa aproximação e querer excetuar todo esse pro-cesso. No dia 29 de outubro de 2021, a Rede Nacional de Bibliotecas Co-munitárias (RNBC) efetuou uma pesquisa sobre a atuação das bibliotecas comunitárias dentro das favelas brasileiras. 86,7% das bibliotecas comuni-tárias em 15 estados, mais o Distrito Federal, estão situadas em regiões de intensa pobreza. Além disso, 66,5% dessas instituições são formadas por membros moradores do subúrbio. Vanilda conta que todas essas atuações possuem vasta importância cul-tural e social neste ambiente, esclarecendo também como funciona todo o procedimento de retirada dos materiais. “O nosso compromisso é promover cultura e educação para quem não con-segue alcançar. A comunitária possui um acesso mais vivo que a central. Na outra você tem horário, precisa ter comprovante de residência e identidade na mão. Para retirar um livro na nossa, você não precisa ter nada disso. Você só precisa querer. É só me passar o nome do livro e o nome do autor que eu já deixo separado e depois é só vir pegar. Não temos exigência nenhuma”.

Como está a Graça Rios atualmente?

Hoje, na Graça Rios, as atividades frequentes são os eventos beneficentes organizados com o propósito de promover qualquer ação social. Mas, Vanil-da tenta coordenar o funcionamento se baseando na mesma proposta e in-tensidade que proporcionou desde o início, sempre priorizando o próximo.

Espaço de lazer para crianças e jovens. Foto: Ivan Ribeiro.

“Eu vou vivendo dia a dia. Uma pessoa vem até mim dizendo que quer um livro, eu vou atrás e procuro. Eu descubro que tem alguém querendo fazer um curso, mas não consegue por que tem dificuldade, eu vou tentar ame-nizar a situação. Outro dia, uma criança não estava conseguindo fazer o trabalho de casa porque estava com muita fome. A partir desse dia, eu co-mecei a dar lanche antes das crianças fazerem os deveres como forma de amenizar aquela situação. Depois eu descobri que algumas crianças têm déficit de atenção. Aí eu comecei a procurar por médicos e psicólogos para tentar amenizar essas situações e ajudar da melhor forma. A gente sempre tenta chamar alguns escritores, alguma pessoa que venha para dar pales-tra. Se tratando das crianças, a gente chama essas pessoas para ter um acompanhamento e se envolver em mais conversas para que possa ocorrer alguma mudança. Dois sargentos da Polícia Militar também vêm aqui e con-tam histórias, dão aulas de leitura, aula de desenho, aula de redação. E isso acaba ajudando muito”.

A crise econômica provocada pela pandemia do novo coronavírus afe-tou drasticamente o funcionamento. Devido às medidas de segurança, que obrigatoriamente tiveram que ser providenciadas, muitas práticas que eram feitas diariamente tiveram que ser interrompidas.

“Primeiro, a coisa que mais sentimos foi a falta de colaborações e volun-tários. Eu não pude fazer nenhum evento, e isso, financeiramente, foi mui-to ruim. Também tivemos que suspender algumas atividades que fazemos. Para nós, tudo isso foi muito negativo. Se você não pode sair para trabalhar, você não pode conseguir o seu rendimento e não pode fazer a doação. Nem todo mundo tinha reserva”.

Contudo, nada disso foi suficiente para que ela desistisse de dar conti-nuidade em tudo que ama fazer. A maior gratidão era ver o quanto essa colaboração contribui beneficamente para a consagração de alguém que esteve presente na formação desde o primórdio.

“Quando eu vejo alguém que estudou e conseguiu eu me realizo. Como eu não estudei, eu penso que fui eu. O mérito é todo da pessoa, mas eu sinto que tem alguém que vai estar me representando lá na frente, fazendo uma coisa que eu não consegui. Isso me fortalece e me incentiva a continuar fa-zendo tudo que eu faço. Quando eu vejo uma dessas pessoas trabalhando ou com o diploma na mão eu choro todinha, por que eu sinto como se eu fosse mãe daquela pessoa”.

A história de Vanilda é certamente um exemplo de bondade, superação e principalmente inspiração. Foram exatamente todos os contratempos que vivenciou em sua vida que cada vez mais a incentivaram a transformar o seu sonho em realidade. Pois, conforme ela mesma costuma sempre dizer, a sua missão é sempre sorrir simultaneamente ao sorriso das pessoas que ama ao seu redor.



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