O mundo paralelo do futebol

Apesar de ser o esporte mais popular do mundo, os diversos casos de jogadores denunciados criminalmente demonstram que o futebol precisa se ligar mais ao seu lado social. 

Por Lucas Marques, aluno do 8° período de Jornalismo do UniBH

O ano de 2020 escancarou ao mundo que não há mais como o futebol agir de forma isenta às leis da sociedade. O caso de Robinho, condenado a sete anos de prisão pela justiça italiana por participar de um estupro coletivo de uma mulher albanesa em 2013, foi o recado que faltava a cartolas e jogadores. Acostumados com a blindagem que o esporte proporciona, acima de atletas, eles são cidadãos.

No Brasil, vários casos de transgressão da lei por parte de jogadores foram relatados pela imprensa nos últimos anos e outros, esquecidos pelo tempo, voltaram à tona. O goleiro Jean, o atacante Wesley Pionteck, o ex-jogador Vampeta e o técnico Cuca são exemplos de jogadores envolvidos em denúncias, sendo acusados de crimes contra a mulher. Todos continuaram atuando profissionalmente, sendo fruto de uma atitude errônea que cerca o esporte bretão: a tolerância excessiva para jogadores de futebol.

Dirigentes, com a participação da torcida e até mesmo de jornalistas, criaram de forma involuntária a cultura de dar a atletas uma segunda chance, mesmo com denúncias escandalosas na bagagem. A “passada de pano” é ainda maior quando o assunto é violência contra a mulher.

O desejo do torcedor, que é ter um time campeão independente de qualquer situação, também é um dos dificultadores desse processo. Essa ação reflete não apenas em seu amor cego pelo clube, mas também na diferença de julgamentos que atletas profissionais tiveram do resto da sociedade. Um exemplo é a opinião pública sobre um ex-detento que busca uma nova oportunidade e sobre um jogador que cometeu uma agressão. Enquanto um sofre com a repressão popular, outro é privilegiado pela conivência de fanáticos.

Em entrevista ao portal GNH, a socióloga Janine Targino afirmou que não é mais possível separar o atleta do cidadão condenado. Para ela, o futebol, como mobilizador de massas de todas as idades, faz com que os clubes tenham responsabilidade social e, caso não se posicionem, demonstram aos seus torcedores que não se importam com a causa. Mas será que os clubes realmente têm em mente lutar por esses ideais, ou apenas cedem à pressão de parte da torcida?

No caso de Robinho, o Santos, que havia acabado de acertar a sua volta, já sinalizava permanecer com o jogador, independente do processo que corria nos tribunais italianos. O até então presidente do clube, Orlando Rollo, chegou a afirmar que um grupo de torcedoras gostaram da contratação do jogador. O mandatário ainda declarou que considerava “muito frágil” a condenação em primeira instância.

Após grande pressão da torcida, o Santos mudou de ideia. Mas isso só aconteceu porque a comoção popular bateu no calo de qualquer instituição esportiva: a carteira. Ao anunciar Robinho, o clube recebeu com surpresa a desistência de patrocinadores que não queriam associar a sua marca ao jogador e desejavam sua rescisão de contrato. A ação surtiu efeito e o contrato do atleta foi suspenso, porém, o recado dado foi negativo. Em alto e bom som, o Santos deixou claro que, para um clube de futebol, o dinheiro e a ganância são maiores que qualquer causa social e que ainda há muito a percorrer para acabar com o mundo paralelo do futebol.

O problema não está só no campo

Embora a ênfase maior esteja entre as quatro linhas, o mundo paralelo também alcançou as arquibancadas. Se o torcedor age indiretamente na reintegração sem punição dos jogadores, na famosa “bancada” ele é responsável por ações bem controversas. É comum escutar em alto e bom som, nos estádios, cantos homofóbicos e expressões racistas. Com uma punição pouco severa contra os indivíduos, o torcedor muitas vezes se sente imune, podendo expressar seus pensamentos preconceituosos com liberdade.

Coincidentemente, o caso mais famoso dos últimos anos também envolveu o Santos. Em partida válida pelas quartas de final da Copa do Brasil de 2014, o goleiro Aranha sofreu cantos racistas da torcida gremista, presente atrás do gol, no lado da geral. Na ocasião, o clube gaúcho foi eliminado da competição, sendo considerada a punição mais severa por casos de injúria racial aplicada pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Entretanto, isso não foi empecilho para os torcedores, que voltaram a ser acusados, agora em 2019, pelo atacante Yony Gonzalez, que atuava pelo Fluminense.

Patrícia Moreira, torcedora do Grêmio, foi flagrada entoando gritos de macaco ao goleiro Aranha. Crédito da Imagem: Espn.

Em 2019, também tivemos a primeira paralisação de um jogo da história do futebol brasileiro devido a cânticos homofóbicos nos estádios. Em partida válida também pelo Brasileirão, Vasco x São Paulo se enfrentavam em São Januário, no Rio de Janeiro, e aos 19 minutos do segundo tempo, o árbitro Anderson Daronco interrompeu o jogo, quando parte da torcida vascaína cantava “time de viado” em provocação aos rivais. A bola só voltou a rolar após os cânticos cessarem.

Anderson Daronco interrompendo a partida após gritos homofóbicos da torcida vascaína em 2019. Crédito da Imagem: Agência Globo.

A ação do árbitro gaúcho foi uma indicação do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, a fim de restringir cada vez mais essas representações preconceituosas por parte dos torcedores, deixando o recado que agora há uma regra e quem não respeitar será punido. Na época, os clubes começaram campanhas de conscientização com os torcedores para tentar eliminar os cânticos homofóbicos dos estádios a fim não sofrerem punição.

Embora atualmente o futebol tenha se inteirado cada vez mais à sociedade, entendendo o seu papel, ainda é possível ver grande resistência do meio, que tem em suas raízes o machismo e a libertinagem. Os clubes entenderam que têm um papel importante para modificar o pensamento de seus torcedores e que isso beneficia a todos. Agora, é necessário saber se isso está sendo feito com o verdadeiro desejo de mudança ou apenas para agradar aqueles que pensam o contrário.



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