“Monstro”, da Netflix, gira em torno da história de Steve Harmon, jovem julgado por um crime em Nova York
Por Ana Maria Rocha, aluna de Jornalismo do UniBH
Afro-americanos são presos cinco vezes mais do que americanos brancos, de acordo com dados do Bureau of Justice Statistics – Estatísticas do Gabinete de Justiça (uma Agência do Governo Federal dos Estados Unidos). Cerca de um terço da população carcerária no país são pessoas negras.
Uma parte da população sabe o grande recorte e separação social que impulsiona a população negra americana para uma das piores condições sociais, que consequentemente a “leva” para criminalidade. Essa realidade é representada em alguns filmes estadunidenses, que relatam a desigualdade racial e o racismo.
O filme “Monstro”, baseado no clássico moderno de Walter Dean Myes, é do gênero drama/tribunal, produzido no ano de 2018 e lançado no ano de 2021, na Netflix. O longa é dirigido e escrito por Anthony Mandler, responsável por videoclipes de vários artistas, como Rihanna, Beyonce e Jay Z.
Pode-se dizer que a premissa do filme está relacionada com o ditado popular: “diga-me com quem tu andas e te direi quem tu és”.
A história narra a vida de um jovem negro de 17 anos, aspirante a cineasta, que acaba se envolvendo com pessoas erradas e, logo, termina preso por um crime que “não cometeu”. Com isso, é necessário que ele prove a sua inocência diante de um sistema judiciário extremamente racista. O filme faz questão de deixar bem nítida a situação financeira da família do protagonista, dando um certo contraste à vida na prisão de Nova York.Steve Harmon (Kelvin Harrison Jr.) é o protagonista de toda a trama, e o filme conta a história do seu ponto de vista, como se ele mesmo tivesse dirigido e narrado em primeira pessoa.
A narrativa é contada de maneira não linear, deixando os telespectadores em dúvida com relação à sua culpa ou inocência. Será que Steve Harmon é um monstro como aponta o nome do filme ou ele é apenas um rapaz que estava no lugar errado na hora errada?
Por ser um filme de drama social, ele apresenta vários conceitos e ideias e é uma história muito relevante para os dias atuais, principalmente se lembramos do acontecimento do dia 25 de maio de 2020, em Minneapolis, estado do Minnesota, Estados Unidos, quando o cidadão George Floyd foi brutalmente assassinado por um policial no meio da rua.
A obra de Anthony aborda como é a vida e os olhares de julgamento que qualquer jovem negro recebe em uma sociedade racista e que possui, consequentemente, um sistema estruturalmente racista.
Como drama de tribunal, o diretor nos faz pensar que existem duas posições dentro de um júri e que as coisas não são tão simples quanto as leis nos fazem acreditar, principalmente para os negros. É um longa-metragem reflexivo e poético.
O filme apresenta mais uma situação de discriminação racial no sistema governamental de um país, algo, infelizmente, tão comum, que perdemos a conta de quantas vezes acontece com vários jovens negros ao redor do mundo.
A percepção desses acontecimentos se materializou nas ruas dos EUA pelo movimento Vidas Negras Importam – Black Lives Matter, presente desde 2013 no país, com protestos antirracistas contra a violência policial. Costuma-se entender o racismo de forma rasa, em uma única faceta, de aversão de pessoas brancas às pessoas negras, identificado nas relações interpessoais, mas o problema não é só esse: está em um enorme de conjunto de desigualdades sociais, que pode ser percebida por meio das estatísticas.
Os “Monstros” no Brasil
Quando trazemos as reflexões provocadas pelo filme para o Brasil, podemos evocar uma construção histórica e social de discriminação e exploração contra pessoas afrodescendentes, que se inicia já no século XVl, com o transporte de escravos de países africanos comandados por portugueses.
O Brasil é um país racista. Não tem como abordar tal questão sem que tenhamos essa percepção bem nítida. Os casos de racismo no Brasil também fazem relação com a violência policial, com um aumento de casos que começaram a gerar reações na sociedade em forma de repúdio. Nesta feita, a consciência coletiva parece aumentar.
Com a morte de George Floyd, nos Estados Unidos, também houve comoção em grande escala pelo Brasil. Nós utilizamos a realidade americana para afirmar que há um certo conformismo na sociedade brasileira como um todo diante de uma questão tão séria.
É horrível perceber que grande parte da população espera algo acontecer em um país de primeiro mundo para tomar alguma atitude, sendo que 78% dos mortos pela polícia, em território nacional, são negros, segundo dados divulgados pelo G1, em 2021.
A realidade brasileira escancara a urgência por uma sociedade mais comprometida. Não é preciso esperar mais casos de racismo para denunciar um cenário já problemático e insustentável. Que sejamos comprometidos com a nossa diversidade racial e que filmes como “Monstro” sejam feitos para questionar nossas estruturas.