De “A Chegada de Um Trem Na Estação” até “Avatar”, a história do cinema faz parte da sociedade e a sua excelência será julgada e premiada neste final de semana.
Por Virgínia Pedrosa, 6º período de Jornalismo do UniBH
Neste domingo, dia 27 de março, serão entregues os prêmios da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, a maior premiação do ramo audiovisual em todo o planeta. Mundialmente conhecida, regada a glamour e trazendo muito mais do que apenas prestígio e reconhecimento, a cerimônia também é pauta de discursos políticos e momentos ilustres. O renomado evento acontece anualmente, e conta com os maiores nomes do ramo cinematográfico mundial. Este ano, a cerimônia volta ao formato inteiramente presencial.
Mas além de toda a elegância e pompa, o que realmente faz com que essa festa seja tão conhecida, desejada e aclamada em todo o globo?
A história do cinema começa em Paris, no ano de 1895, onde foi feita a primeira exibição de uma película, que causou grande rebuliço e gerou grande impacto na cultura mundial. Os irmãos Lumière traziam uma nova arte para a atualidade. Podendo ser considerada como o filho mais novo da fotografia, o cinema veio como forma de expressão e entretenimento, abraçando desde as massas até aqueles considerados mais “cults”.
A Era de Ouro de Hollywood popularizou a sétima arte em todo o mundo e, junto a ela, houve a necessidade de reconhecimento de seus maiores profissionais. Em 11 de maio de 1927, na cidade de Los Angeles, na Califórnia, o produtor de cinema ucraniano Louis B. Mayer, junto a um grupo de estudiosos e profissionais do audiovisual, criou a Academia das Artes e Ciências Cinematográficas, feita para promover, auxiliar e premiar a 7ª Arte.
A sociedade é conhecida em todo o globo pela premiação anual “The Academy Awards”, conhecida carinhosamente como “Oscar”. Um dos mitos desse apelido é a história de que a diretora-executiva da Academia, Margaret Herrick, acreditava que a estatueta era muito parecida com seu tio, Oscar.
A primeira edição do evento ocorreu em 19 de maio de 1929, contando com 270 pessoas. Os convidados pagaram o ingresso de 5 dólares (cerca de 80 dólares na cotação atual) para assistir à premiação – nada parecido com o evento atual, que conta com extremo luxo e convidados escolhidos a dedo.
Oscar 2022:
Filmes de plataformas de streaming, junção de categorias, quantidade ao invés de qualidade: como será o Oscar de 2022? Em conversa com estudiosos e especialistas em Cinema, nós, do Portal da Cacau, vamos tirar algumas dúvidas dos nossos leitores sobre a premiação desse ano.
Convidadas(os):
Carol Braga: Doutora em Comunicação e Sociabilidade Contemporânea pela Universidad Autónoma de Barcelona/UFMG, mestre em Jornalismo e Novas Linguagens também pela Universidad Autónoma de Barcelona e pós-graduada em crítica de música Pop e Cinema pela Universidad Ramon Llull em Barcelona. Idealizadora e editora do portal Culturadoria. É professora universitária desde 2014.
Maria Garcéz (Madu): Colunista do Cinema com Teoria, escritora, roteirista e fotógrafa, tem como uma de suas paixões o cinema.
João Carvalho: Doutor em Comunicação Social pela UFMG, Mestre em Comunicação Social pela PUC-Minas e graduado em Jornalismo pela mesma instituição. Atualmente é professor do Centro Universitário de Belo Horizonte e do Centro Universitário UNA. Editor e roteirista de diversos curtas-metragens premiados em festivais.
Qual a importância do prêmio?
Carol – Ele é importante por ser um prêmio da indústria. Não que ele reconheça os melhores filmes, mas ele movimenta e badala o movimento mais relevante do cinema comercial do mundo, em um país que entendeu que o cinema é fundamental para a economia e que o mundo inteiro está de olhos atentos para essas produções.
Madu – Mesmo que seja uma premiação do mercado, o Oscar acaba trazendo essa visibilidade para filmes que provavelmente seriam ofuscados no circuito comercial, como exemplo nós temos o “Drive My Car”, que está indicado como melhor filme, melhor direção e melhor filme internacional. Graças à indicação o filme circula em alguns cinemas do Brasil, o que não aconteceria caso ele não fosse indicado.
João – Ele começa a ficar importante a partir do momento em que se valoriza esse tipo de premiação, e ele continua entrar no marketing do próprio filme, onde começam a valorizar os atores, diretores, roteiristas… As histórias que ganham esse prêmio começam a usar isso como meio de divulgação e também evidentemente como importância econômica e cultural que o cinema norte americano tem no mundo. Então, a partir daí o Oscar começa a se tornar uma premiação visada e importante, que soube se desenvolver midiaticamente, com a chegada da rádio e da tv para impulsionar a cerimônia.
Qual é o peso da premiação na carreira das pessoas indicadas?
Carol – É claro que uma pessoa que recebe uma indicação ao Oscar entra em outro patamar de mercado. Ela ganha outro patamar de visibilidade. Como o Oscar tem esse poder no mundo e no mercado, quem recebe essa indicação entra em um grupo muito seleto.
Madu – Acredito que o peso depende da categoria. Esse ano nós temos a Jenny Beaven indicada pela 11º vez como melhor figurino, já tendo ganhado outras duas. No caso dela e de editores e responsáveis por categorias técnicas, a indicação pode consolidar suas carreiras. No caso de atrizes, atores, diretores e roteiristas, a indicação faz com que eles retornem aos holofotes, mesmo aqueles que já estão consolidados, como Spielberg. De um jeito ou de outro, em Hollywood, quem não é visto, não é lembrado.
João – Quem vence a premiação em geral impulsiona a própria carreira no mercado hollywoodiano, basta dizer que o Fernando Meirelles, quando foi indicado por Cidade de Deus, teve portas abertas para o mercado internacional e aí ele começou a produzir seus filmes lá fora.
Qual o impacto da premiação na cultura mundial?
Carol – O impacto da premiação na cultura mundial está mudando. Antigamente, quando não tinha streaming, era um impacto muito maior do que é hoje, mas de qualquer forma não deixa de ser uma chancela para as pessoas olharem para aquela pessoa e aquele filme, fazendo com que ele tenha uma audiência maior.
Madu – Apesar de ser uma celebração do mercado audiovisual, acredito que também seja um produto de mídia e propaganda, que acaba influenciando no que a gente consome de acordo com a disponibilidade, então acaba sendo uma escolha para filmes se tornarem clássicos. Exemplo é o filme “Parasita”, que ganhou como melhor filme em 2020, foi histórico e provavelmente já consolidou o filme como clássico moderno. Mesmo que filmes fora do Oscar possam ser colocados no mesmo patamar, a premiação pode ser um atalho para isso, e clássicos podem trazer esse peso de serem universais.
João – O Oscar é uma cerimônia midiática. O impacto dele é gerar agenda, falar sobre o cinema, de fato é movimentar a pauta da cultura. A gente se diverte acompanhando, fazendo bolão… Mas ele tem perdido espaço, porque as novas gerações têm perdido o interesse no cinema, o que nós chamamos tradicionalmente de cinema, e ele tem perdido audiência, perdendo também sua importância e seu impacto cultural. Mas há uma tentativa de renovar, deixando aparecer os filmes de streaming, ampliando o número de concorrentes de categorias, e diminuíram o tempo, para tentar chamar a atenção dessas novas gerações.
O que você espera da cerimônia deste ano?
Carol – Eu já não tenho tanta expectativa quanto a cerimônia do Oscar, sabe? Porque a cerimónia da entrega é um show que as pessoas ainda ficam esperando que tenha muita audiência, mas eu não acho que esse seja o caso. Então, eu não tenho muitas expectativas. Acho que é um ano bem morno para falar a verdade, não acho que exista nenhum franco favorito em nenhuma categoria, tá tudo muito morno por causa de um reflexo da pandemia. Acredito que ainda esteja contaminando o Oscar.
Madu – Algumas categorias estão basicamente definidas, outras nem tanto. Como o Oscar segue essa norma mercadológica, outros festivais acabam influenciando nas chances dos indicados. Por exemplo, na categoria de melhor atriz nós temos a Jessica Chastain, e ela nem “tava” cotada como favorita, mas após vencer o prêmio do sindicato dos atores ela acabou ganhando esse lugar. Eu também estou confiante que vamos ter a terceira mulher ganhando o Oscar de direção. Tudo indica que a Jane Campion vá ganhar, porque além de vencer vários prêmios como a “Palma de Ouro” em Cannes, essas coisas influenciam.
João – Eu acho que não vamos ter uma produção que vai arrematar muita coisa, e me parece que os prêmios de melhor ator e melhor atriz já devem estar mais direcionados para o Will Smith e Nicole Kidman. Mas acho que o maior atrativo do Oscar é exatamente essa especulação. Eu particularmente acho que esse ano as produções estão mais fracas do que nos anos anteriores e não vamos ter tantas surpresas.
Quais são as características que fazem com que uma obra ou artista seja indicado ao prêmio?
Carol – É muito relativo falar sobre as características que fazem a obra ser indicada ao prêmio, porque tem muitos fatores, incluindo a campanha de marketing que o próprio filme faz, o momento do lançamento. Então assim, não tem uma característica específica, é um conjunto de características, inclusive o peso do marketing.
Madu – Hoje, mais do que nunca, a campanha é o principal fator. Muitos filmes são deixados de lado porque não possuem uma estratégia de mercado forte. Geralmente, com base na campanha, é montada uma lista de lembretes de filmes elegíveis, que contam com 300 filmes, mais ou menos, e a partir disso a gente tem certos filmes que possuem uma atenção a mais para serem indicados ao Oscar.
João – As características da obra e de um artista ser indicado são muito complexas, porque tem de tudo, né? Já houveram Oscars que premiaram megaproduções, como “Senhor dos Anéis”, até filmes de mais baixo orçamento, como filmes “cults”. O Oscar tem apostado na diversidade. Tanto na diversidade de indicações como em tipos de obras. Hoje em dia é muito mais difícil apontar o que faz um filme ser indicado ou não.
Quais e quem são os favoritos deste ano?
Carol – Eu acho que é um ano difícil de se apostar em favoritos, mas acredito que seja “Ataque dos Cães”, que é um filme difícil de ver. É um filme lento, que tem muitas nuances, e são nuances difíceis de serem vistas, mas é um filme que traz um tema importante, como aceitação, fala de uma sociedade que tem o machismo como uma de suas estruturas, então eu acho que o “Ataque dos Cães” tem sido até agora como favorito nas bolsas de apostas.
Madu – Para melhor filme, a disputa está entre “Ataque dos Cães”, da Netflix; em ator acredito que o Will Smith, e na categoria de direção, Jane Campion.
Quem são os injustiçados deste ano?
Carol – Falar sobre os injustiçados é complicado porque é uma premiação que visa o mercado. Mas tem um filme que se chama “C’mon C’mon”, que aparece em várias listas como um dos injustiçados, inclusive trazendo o Joaquim Phoenix como um dos personagens.
Madu – Algumas grandes apostas permeiam as categorias mais técnicas. Por exemplo, o “Noite Passada em Soho” era aposta para melhor figurino, mas passou batido pelas indicações. Outro que, mesmo tendo sido indicado em melhor atriz com a Kristen Stewart, ficou por isso mesmo, que é o filme Spencer. Esperava-se uma indicação por fotografia, ou designer de produção e figurino… Eu, particularmente, senti falta de ‘C’mon C’mon”. Não apareceu em nenhuma categoria.
Quais são as diferenças da premiação, do seu início até o ano de 2022?
Carol – Ao longo da história, o Oscar foi mudando porque o cinema foi mudando. Antigamente, as atenções estavam voltadas muito mais para essa premiação. Hoje em dia, tem os prêmios dos sindicatos, outros prêmios que acabaram distribuindo a atenção. Eu acho que até 2022 estamos vendo um Oscar que contempla o streaming, um Oscar que não deve ter uma audiência alta na televisão, mas que movimenta as redes. Então eu acho que essas são algumas diferenças que marcam nosso momento.
Madu – No início, a cerimônia era aberta ao público e o ingresso custava 5 dólares, mas se você pensar que a primeira edição foi em 1929, era bem caro. Além das mudanças estruturais, além da presença de apresentadores, o que pode variar de ano em ano. Em 2021, as categorias de melhor edição de som e melhor mixagem de som foram fundidas em melhor som, o que eu acho um erro, tanto que em alguns anos tem vencedores diferentes para cada categoria. E a mais recente alteração foi a estrutura da cerimônia. Algumas categorias foram cortadas, e isso revela uma certa falta de respeito com os profissionais das categorias.
Na sua opinião, quais são os filmes que deveriam ou não ganhar o prêmio? Por quê?
Carol – Esse ano, particularmente, eu não tenho nenhuma torcida. Nenhum dos filmes que foram indicados, dos dez, me causou alguma coisa fora do comum. Todos eu tive sensações normais. Nos filmes, nós podemos dividir entre mais “cabeções”, como “Ataque dos Cães” e “Drive my car”. Temos uns filmes mais de ficção científica, como o “Duna”, que eu não gostei de jeito nenhum. Tem filmes com uma pegada crítica de que é o “Não Olhe Para Cima”, que eu adoro, e acho que se ganhasse seria um recado importante para o mundo, e tem os mais leves, como o “Licorice Pizza”, o “King Richard” e “No Ritmo do Coração”, esses dois últimos são mais “Sessão da Tarde” são filmes mais leves, e que acho que entregam o que o mundo “tá querendo”. Depois de tanto sofrimento a gente precisa dar uma distraída com o cinema, e acho que são filmes que trazem isso.
Madu – Bom, nas minhas apostas, eu acho que quem vai ganhar animação é “Encanto”, apesar de que eu acho que “A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas” deveria ganhar, porque foge desse padrão de Disney e Pixar. Do mesmo jeito que “Duna” talvez ganhe de melhor fotografia, quando a gente tem “Amor, Sublime, Amor” e “Ataque dos Cães” também indicados. Inclusive, “Ataque dos Cães” tem a segunda mulher indicada na categoria de fotografia na história do Oscar.
Existe algum filme ou ator/atriz que não foram indicados, mas que, em sua opinião, deveriam ter sido cogitados?
Carol – Eu senti falta do filme “A Filha Perdida”, que está concorrendo como melhor atriz, mas não acho que vá ganhar. E como ator ou atriz, sinto falta da Lady Gaga, por “Casa Gucci”, porque acho que ela é uma atriz que merece muito.
Madu – Na categoria de melhor filme, eu colocaria “A Pior Pessoa do Mundo”, em atriz eu com certeza colocaria a Renate Reinsve, que é a protagonista de “A Pior Pessoa do Mundo”, e também colocaria a Alana Haim por “Licorice Pizza”, porque é a primeira vez que ela atua, e ela entrega tudo!
João – Bom, em relação a atores e atrizes, isso é muito complexo, porque tem tantas boas atuações, e se formos comparar com o Brasil, no cinema brasileiro, nós temos vários atores e atrizes que merecem. Nós não podemos pensar no Oscar como de fato sendo uma competição verdadeira e justa entre os melhores, o Oscar é uma celebração do cinema visto a partir de Hollywood. E nós temos que considerar como tal, e nesse sentido ele está muito bem. Eu sempre acho complicado falar em injustiça, porque é muito difícil comparar trabalhos artísticos, porque existem condições e propósitos completamente distintos. Nós temos que encarar o Oscar como um lugar de celebração do cinema a partir do ponto de vista hollywoodiano, a partir do ponto de vista norte-americano. O que é legal é que cada vez mais ele tem se tornado mais diverso em relação a etnias, gêneros… O Oscar tem mostrado essa preocupação constante.
Acredita que existe algum filme, ator ou atriz brasileiros que deveriam ter sido indicados à premiação?
Carol – É muito relativo, porque cada país indica seus concorrentes. O Brasil indicou “Deserto Particular”. É um filme que passou muito rápido nos cinemas. Para ser sincera, eu nem vi o filme.
Madu – “Deserto Particular” foi um filme nacional que chamou bastante atenção no último ano, mas não chegou a passar na pré-seleção para filme internacional, e recomendo bastante para quem deixou esse passar.
João – Teve o caso da Fernanda Montenegro, que participou e foi muito legal, mas isso não diminui o trabalho dela como atriz, nem no Brasil e nem no mundo. Ela é respeitada no mundo inteiro pelo trabalho que ela fez e faz, não necessariamente pela premiação que ela recebeu, então temos que desenvolver esse olhar para não ver o Oscar como uma competição esportiva, porque não é.
Qual o seu filme preferido deste ano?
Carol – Esse ano, acredito que não tenho um super favorito, mas um filme que gostei muito dessa leva foi o “A Filha Perdida”, que está concorrendo a melhor roteiro adaptado e melhor atriz; mas eu acho que não deve ganhar nada, embora tenha sido o que eu mais gostei.
Madu – Bom, talvez seja a pergunta mais difícil. Como eu amo musicais, fiquei embasbacada com “Amor, Sublime, Amor”, do Spielberg, mas também fiquei completamente envolvida com o roteiro de “Licorice Pizza” e a “Pior Pessoa do Mundo”,
João – Tenho dois filmes preferidos: o Macbeth, que é uma releitura de uma obra de Shakespeare, muito potente, muito forte, bonita e bem trabalhada, trazendo todas as questões em relação de poder que estão por trás da perna, colocando uma pitada sobre essas questões de gênero que é bem interessante. O “Ataque de Cães”, é um filme que, na verdade, tenciona o gênero, trabalhando muito mais o psicológico dos personagens do que propriamente a aventura. As dimensões de vilões e bandidos são muito distintas.
A cerimônia do Oscar será transmitida ao vivo, neste domingo (27), a partir das 21 horas, por canais de TV e também pode ser encontrada disponível online pelo Globo Play e também no site “Omelete” . A apresentação deste ano conta com as atrizes Amy Schumer, Regina Hall e Wanda Sykes.
Confira também a matéria do Portal da Cacau sobre o Oscar 2021.