Pandemia coloca a desigualdade digital em evidência

Cerca de 70 milhões de brasileiros têm acesso à internet precário ou inexistente, e mais de 42 milhões de pessoas no país nunca acessaram a rede.

Por Jéssica Hellen, Mariana Reis e Matheus Rocha – alunes de Jornalismo e Publicidade e Propaganda UniBH

A crise do novo coronavírus segue causando impactos enormes na rotina da população brasileira. Durante esse período, o Governo Federal divulgou a criação de várias iniciativas de serviços digitais, entre eles alguns aplicativos para o auxílio desemprego e o auxílio emergencial, que promete beneficiar cerca de 50 milhões de brasileiros com a quantia de R$600 até R$1.200. Apesar desta iniciativa, a pandemia mostra para nosso país, além da disparidade socioeconômica, a desigualdade na democratização do acesso digital.

No coração da cidade, estamos vivendo isolados, mas nos vendo o tempo todo digitalmente. Das nossas casas, usamos as redes sociais online para fazer lives, realizamos vídeo chamadas, participamos de correntes, ouvimos música e nos entretemos, na medida do possível, para amenizar a falta de contato físico. Em outros lugares, estão um outro grupo de pessoas, os invisíveis digitais, aglomerados em periferias ou em situação de rua, já sofrendo, muitas vezes, com a falta de alimento e recursos básicos como água limpa. Queremos expor o que está fora do campo de visão da maioria e como a tramitação de políticas que seriam para beneficiar essa parcela da população são excludentes, visto que muitas pessoas não têm acesso à internet ou até mesmo alfabetização.

Os dados mais recentes sobre tal desigualdade nos mostram uma realidade de pessoas que já são invisibilizadas cotidianamente. Cerca de 70 milhões de pessoas têm acesso à internet precário ou inexistente no Brasil. Mais de 42 milhões de pessoas do país nunca acessaram a rede e, de acordo com o levantamento do Cetic.br (departamento do Comitê Gestor da Internet, que monitora a adoção de tecnologias de informação), 25 milhões dos mais pobres só utilizam a internet no celular e com pacotes limitados. Com base no relatório do IBGE (2017), podemos ressaltar ainda a população negra ou parda, que é a mais afetada com a falta de acesso digital no Brasil. Os números mostram que 61,4% da população branca já utilizou esse recurso, diante de 39,6% da população preta ou parda.

Tal reflexão já nos denuncia que não, o Brasil não é um país democrático. No entanto, algumas empresas e instituições filantrópicas resgatam nosso otimismo por dias melhores desenvolvendo iniciativas que levam informação e acessibilidade para quem precisa, mais do que nunca, ter as suas necessidades enxergadas e auxiliadas de alguma forma.

Pensando na dificuldade no acesso à internet, e também na falta de alfabetização digital, o Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG) se voluntariou a ajudar no cadastro do auxílio emergencial. A ideia do mutirão, que está sendo realizado nos campis de Belo Horizonte e região metropolitana, é auxiliar as pessoas que não têm acesso à web ou têm dificuldades para preencher o formulário. Para o cadastramento, foram disponibilizados os laboratórios de informática e a ação contou com a ajuda dos alunos da própria instituição no voluntariado que, além de ajudarem a comunidade no cadastro do auxílio, também tiravam dúvidas sobre o recebimento da ajuda financeira fornecida pelo governo.

Mas, as iniciativas foram para além do meio digital. Para Gabi Andrade, proprietária do Las Chicas Vegan, restaurante de alimentação vegana do Edifício Maletta, a própria localidade, no centro de Belo Horizonte, evidenciou que a situação de moradores de rua estava ainda mais precária por falta de doações. Ela lançou uma vaquinha online e se disponibilizou a preparar e entregar marmitex nas ruas, após cumprir seu expediente. “Já distribuímos cerca de mil marmitex!”, afirmou a empresária.

Além disso, Renata Vidal, uma das mentoras do projeto social @ligado.amor, também se solidarizou com as circunstâncias que a pandemia trouxe para a população de rua.

Nesse momento de pandemia, nossas ações voltadas às crianças foram sus-pensas. Demos continuidade aos trabalhos que envolvem pessoas em situação de rua, porém de uma forma segura, sem contato, para não espalhar o vírus pela cidade. Montamos varais em dois pontos de BH e os abastecemos duas vezes por semana com alimentos e itens de higiene pessoal (pasta e escova de dente, papel higiênico, sabonetes e máscaras)”. Ela, inclusive, notou mais adesão social nesta campanha.

É evidente a exposição das pessoas mais vulneráveis, desconhecedores dos smartphones e ainda nada integrados na sociedade moderna da informação. São situações como essas que denunciam a naturalização dos regimes de desumanidade e desigualdade aos quais os mais empobrecidos costumam estar expostos no nosso país.

O desafio de promover acesso à informação de qualidade no combate e enfrentamento à pandemia é grande. Em nosso atual contexto, a inclusão digital é imprescindível e deve ser acelerada não somente para o agora – para o acesso a benefícios sociais, às relações de teletrabalho, aos atendimentos remotos em ser-viços públicos, ao empreendedorismo digital e à economia -, mas também para o período pós-pandemia, reduzindo as desigualdades sociais desnudadas e escarnadas nesta crise sanitária.



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