Plataformização: serviço ou desserviço à cultura?

“O menos importante é pensar se é possível circular cultura nesse meio, e sim pensar o que acontece com a cultura quando ela é inserida em um sistema de plataformas”, reflete a pós-doutora em Comunicação, Lorena Tárcia.

Por Luís Otávio Peçanha, aluno de Jornalismo do UniBH

O desenvolvimento tecnológico foi essencial para a globalização da informação, fazendo com que qualquer pessoa com dispositivos conectados à internet consiga ter acesso a notícias, músicas, conteúdos de entretenimento, educação e serviços.

Com o passar dos anos, cada vez mais pessoas consumiam conteúdos disponibilizados de forma gratuita nas redes. O desenvolvimento tecnológico ainda estava por entregar um dos dispositivos que mais auxiliaria nesse crescimento: o smartphone.

A usabilidade prática e ativa dos smartphones, somada à ascensão das redes sociais online, fez com que a cultura pudesse atingir, de uma forma mais direta e objetiva, públicos que, anteriormente, sentiam dificuldade ou desinteresse por consumir tais conteúdos. Um dos maiores impactos desse alcance é conseguir atrair a atenção dos jovens, que são os que mais utilizam as mídias sociais, de acordo com uma pesquisa do Fórum Econômico Mundial (2019).

O que é a plataformização?

A palavra plataformização deriva da palavra “plataforma”, e faz referência à proliferação de inúmeras plataformas digitais, sendo a Google e o Facebook as pioneiras nesse quesito. A criação de tais plataformas foi importante para possibilitar a divulgação mais rápida dos mais diversos conteúdos e o contato direto entre os usuários.

Lorena Tárcia, doutora e pós-doutora em Comunicação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e professora do UniBH, define o fenômeno da plataformização como uma conexão de plataformas que atuam como um dispositivo para envolver informação, pessoas e dados. Essa movimentação das redes e das conversações acontecem no entorno de plataformas privadas, que provêm de grandes empresas de mídia, como Google e Microsoft, por exemplo.

Lorena explica que esse processo se dá em várias perspectivas, como na educação, em que várias escolas são dependentes das plataformas Google, que dominam todos os dados por meio de seus algoritmos. Além disso, a professora ressalta como esse domínio reflete em um ciclo que envolve as mesmas empresas, em que vemos plataformas como o Instagram, que está vinculado ao Facebook e ao Twitter, e, com isso, monopoliza não apenas conversas como a distribuição de informação.

“Não é apenas para criticar e demonizar, devemos buscar estudar e compreender o que pretendemos com essas plataformas, fazer uma avaliação crítica delas e ter uma alfabetização para o uso dessas plataformas”, completa.

As mídias sociais, inclusive, desempenham papéis muito distintos dentro do mesmo processo, visto que cada uma tem tipos de públicos, publicações e conteúdos diferentes. Todas, porém, têm uma coisa em comum: fazem parte, ativamente, do incentivo à cultura.

As gigantes Google e Facebook dominam as mídias sociais digitais. Imagem: Flickr.
Mídias sociais e cultura

Atualmente, existe uma imensidão de mídias sociais diferentes, cada uma com um objetivo aparentemente distinto para a usabilidade, publicação de fotos, divulgação de textos, intercâmbio entre pessoas, divulgação de perfil profissional, entre outros. Essa variedade abriu portas para vários usuários desfrutarem de suas diferentes funções para criarem os próprios conteúdos.

Não é difícil de pensar em pessoas que ficaram conhecidas pelas redes sociais e ganharam notoriedade com seu próprio conteúdo, seja pelo entretenimento ou pelo conhecimento. Também é importante ressaltar que artistas já conhecidos também recorreram às mídias sociais e suas plataformas, principalmente em períodos de pandemia, para ter um contato mais direto com seu público.

“As redes sociais não existem por si”. Lorena Tárcia explica que a usabilidade dessas mídias deve ser trabalhada do ponto de vista sócio-técnico-cultural-cognitivo. Existem redes tecnologicamente disponíveis para prover acesso, enquanto cidadão, para debates e conexões com outras pessoas, porém, o importante é a maneira como nos apropriamos dessas plataformas.

Com isso, Lorena quer dizer que o acesso a conteúdos culturais vai depender da forma de utilização dessas redes. Se nos apropriarmos delas como meios de promoção cultural, então sim, é possível consumir esse conteúdo. Porém, não podemos esperar que tais plataformas sejam inócuas, que elas produzam cultura e que circulem sem nenhuma interação e apropriação desse material.

“O menos importante é pensar se é possível circular cultura nesse meio, e sim pensar o que acontece com a cultura quando ela é inserida em um sistema de plataformas”, afirma.

Segundo a professora, as redes sociais não promovem os conteúdos, as pessoas inseridas nestes meios é que devem definir se esse incentivo à cultura vai existir ou não em um primeiro momento. Quando elas definem o que vão consumir, elas são desapropriadas da forma que a cultura pode circular.

“Não devemos ver como causa e consequência. As redes sociais precisam ser pensadas nessa perspectiva: uma ambiência de conexão em que estamos inseridos, onde há disputa de poder, convergências e divergências que movem a rede, é onde a cultura acontece. A cultura precisa ser pensada nesse universo como uma relação sócio-cultural, visando uma apropriação para expansão de pensamento, debates e discussões”, afirma Lorena.

Artistas como Marcelo D2 e Emicida, conhecidos cantores de rap no país, aderiram à onda de streaming que vivemos, ingressaram na plataforma Twitch e começaram a fazer transmissões com conteúdos próprios, muitas vezes voltados à música, apresentando trabalhos, conversando com os espectadores e criando uma relação mais próxima com o público.

Fernando Medeiros, ex-BBB, apresentador da NBA Brasil e professor de Educação Física, usa sua página no Instagram para compartilhar treinos, conduzidos por ele, para incentivar seus seguidores a se exercitarem, além de compartilhar sua rotina como atleta e conteúdos sobre basquete, atraindo adeptos ao esporte.

A formação de influenciadores
A plataformização fez surgir uma nova onda de produtores, os influencers. Imagem: Digital Agency Network.

A internet e as redes sociais abriram grandes portas para a criatividade das pessoas que buscam criar e compartilhar seu próprio conteúdo, criando sua independência e fazendo a abordagem da maneira que se sentir mais confortável enquanto buscam maior alcance.

Os influenciadores são muito presentes nos dias atuais e cumprem um papel muito importante para a cultura, mesmo que muitas vezes alguns não percebam isso. Independente do conteúdo do perfil, a pessoa, quando ganha determinada visibilidade e reconhecimento pelo trabalho, se torna uma formadora de opinião.

Ana Carolina Nagem (23), aluna de Psicologia na universidade FUMEC, uniu a formação com a urgência de trazer temas sociais à discussão para começar a produzir conteúdo relacionado a pautas raciais, com grande enfoque nas tensões entre a saúde mental da população negra.

A estudante de psicologia, Ana Carolina Nagem, usa as redes sociais para levantar questões sociais. Imagem: Reprodução @nagemxx.

A influenciadora tem como principal plataforma o Instagram que, de acordo com ela, já contava com a praticidade de ser uma rede social usada previamente para vida pessoal. “Com a facilidade do aplicativo e interação com quem já estava me seguindo e me conhecia achei que seria um bom lugar para começar”, ressaltou.

Tendo começado a produção no início da pandemia, Ana explica que os influenciadores têm um papel fundamental na ampliação de pautas importantes, trazendo à tona assuntos delicados e urgentes na sociedade. Além disso, ela explica que, quando pessoas com influência estão compartilhando sobre o que gostam, lugares onde frequentam, ou até indicando filmes e livros, estão ajudando a abrir mais espaço para a cultura. Possibilitando, assim, uma maior visibilidade para autores, e até atraindo um público para uma peça ou influenciando na compra de um livro.

Os formadores de opinião são peças fundamentais do processo de plataformização da cultura, sobretudo pelo fato deles serem vistos como fontes de informação, principalmente pelos seus seguidores. Sua responsabilidade é enorme, pois é necessário ter bastante cuidado com o que é veiculado em seu perfil, pois divulgar informações erradas, por exemplo, pode ser um malefício enorme para sua imagem e, também, um desserviço à cultura.

Ana reforça, também, a responsabilidade social envolvida no papel dos influenciadores com seu conteúdo, e explica os cuidados tomados durante a criação das postagens. “Meus principais cuidados são deixar bem claro que muito do que falo é sobre minha experiência individual como mulher negra, tentando sempre reforçar a pluralidade que é ser negro no Brasil. Em segundo lugar, busco embasar todos meus posts em relatos e notícias verdadeiras, me preocupo muito com a fonte de tudo que compartilho, sempre conferindo veracidade”, pondera.

Júlia Melo (24) também é outro exemplo de formadora de opinião mineira que surgiu a partir do Instagram, plataforma que considera ter uma boa visibilidade. Formada em Medicina e tendo iniciado as postagens há cerca de um ano, Júlia mostra seu dia a dia como médica generalista, além de dar dicas de cabelo, skincare e transição capilar.

A médica Julia Melo produz conteúdo sobre saúde e estética. Imagem: Reprodução @_juliamelo.

Na sua opinião, os influencers são uma ferramenta de marketing e formação de opinião importante, visto a proximidade que as redes sociais estabelecem entre influenciadores e público, criando uma relação parecida com uma “amizade”. “Mistura um pouco de admiração com curiosidade, acho que esse papel se torna importante a partir do momento em que as pessoas te seguem e consideram como um espelho”, ressalta.

No que se refere à influência dos influencers na cultura, a médica pontua que esses atores são como o “antigo grupinho popular no colégio”. “Todo mundo quer “ser eles”, agir como eles, ser amigo deles. Só que hoje em dia isso passa a ser a distância. E o que move a cultura em massa é essa vontade de pertencimento. Então, se muitas pessoas de referência são ligadas à causa X ou se comportam de um jeito específico, isso movimenta outras pessoas a seguirem o mesmo propósito para se sentirem parte do grupo de interesse”, analisa.

Júlia reforça que opta por se comunicar com uma linguagem clara e descontraída, pois isso cria uma relação de proximidade com os seguidores. Além disso, ela afirma que se preocupa muito com seus conteúdos, tomando cuidado para sempre ter boas fontes, principalmente ao falar de assuntos mais densos. “Nenhum tipo de conteúdo informativo pode ser construído sem embasamento”, salienta.



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