Ser descredibilizada, agredida e silenciada em suas opiniões políticas por ser mulher é o que acontece com milhares de políticas no mundo.
Por Iris Aguiar, aluna do 2º período de jornalismo no UniBH.
A violência política é caracterizada pelo emprego de violência com o objetivo de deslegitimar, causar danos, obter e manter benefícios e vantagens ou violar direitos com fins políticos. Tal agressão antagoniza a própria política enquanto forma democrática.
Embora antidemocrática, essa é a realidade de muitas políticas do nosso país, que para exercerem sua função passam por diversos ataques que buscam desmoralizá-las como cidadãs e profissionais.
Segundo o Ministério da Mulher, da família e dos direitos humanos, entende- se como violência política de gênero(VPG) a agressão física, psicológica, econômica, simbólica ou sexual contra a mulher, com a finalidade de impedir ou restringir o acesso e exercício de funções públicas e/ou induzi-la a tomar decisões contrárias à sua vontade. Inclui-se nesta concepção as eleitas, as candidatas aos cargos eletivos, as ocupantes de cargos públicos, as dirigentes de conselhos de classe, de empresas estatais e das entidades de representação política.
O que é a violência política de gênero?
A VPG é um ato fomentado pelo papel social e cultural atribuído às mulheres, que permeiam o imaginário populacional. Tal papel, que tende a representar a desigualdade de gênero, corrobora para que agressões inaceitáveis venham a ser destinadas às mulheres.
Essa violência, fundamentada por uma cultura patriarcal, que traz uma visão inferiorizada das mulheres e ambientes distantes do político, traz à tona ataques que procuram legitimar a superioridade masculina e diminuir o pensamento feminino, assim como sua participação política.
Portanto, cada ataque reitera o desrespeito ao direito à cidadania feminina, e intenta expulsar as mulheres do cenário político, tentando anular suas lutas, opiniões e até mesmo as próprias mulheres. Mesmo no cenário político, mulheres são constantemente ameaçadas, como foi o caso que culminou na morte de de Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro assassinada em 2018.
Um levantamento feito pelo jornal O Estado de S. Paulo aponta que, das 50 mulheres que concorreram às prefeituras das capitais no ano passado, 44 relataram violência. A maior parte (46,7%) disse sofrer ataques com frequência. Do total, 88% afirmam ter sofrido violência política de gênero nas eleições de 2020 e 72,3% acreditam que os episódios prejudicaram a campanha. A violência psicológica é a mais recorrente (97,7%) e a internet é o espaço onde as mulheres são mais atacadas (78%), seguida da campanha de rua (50%).
É mais comum do que se imagina
A VPG é mais comum do que se imagina, e não é vista apenas no cenário brasileiro. Em outros países, assassinatos de mulheres na política também aconteceram e foram alvos de discussão a respeito da proteção das mulheres na política.
Na Bolívia, em 2012, ocorreu o assassinato de Juana Quispe Apaza, a primeira mulher vereadora de Ancoraimes, município da província de Omasuyos.Antes de ser assassinada, Juana sofreu diversos ataques políticos com intenção de restringir o exercício de suas funções públicas.
Patricia Arce, outra boliviana e ex- prefeita da cidade de Vinto, foi sequestrada e atacada, em 2019, quando teve o cabelo cortado e foi banhada de tinta vermelha, além de ser obrigada a caminhar descalça até o rio Huayco.
Nos EUA, desde 2018, as deputadas democratas Rashida Talib (Michigan), Ilhan Omar (Minnesota), Alexandria Ocasio Cortez (Nova Iorque) e Ayanna Pressley (Massachusetts), todas mulheres não-brancas, têm sua rotina de trabalho político marcada por ataques baseados em gênero e raça.
Os ataques não se limitam ao gênero, agravando a intensidade dos ataques quando são voltados a atingir, também, raça e etnia.
No Brasil, a VPG é marcada por assédio, ameaças, ataques e assassinatos como práticas recorrentes. Em dezembro de 2020, a deputada Isa Penna(PSOL) foi assediada publicamente pelo deputado Fernando Cury(Cidadania), em meio à 65a Sessão Plenária Extraordinária na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, quando estava em votação o orçamento do Estado.
O assédio foi gravado e no manifesto #Justiçaportodas, da deputada, é pontuado que este tipo de violência é o que impede que as mulheres possam atuar livremente em todos os espaços públicos.
A deputada entrou com uma representação para impedir que o deputado Cury não assumisse uma cadeira no Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente(Condeca-SP). A liminar para suspender a nomeação do deputado Cury foi concedida em 27 de agosto pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.
“É uma vitória da nossa pressão e acima de tudo, é uma vitória das mulheres. Esse é o recado que a justiça tem que dar: assédio é crime!”, comenta Isa Penna sobre a concessão da liminar.
A Co-Vereadora da bancada feminista do PSOL em São Paulo, Carolina Iara, comenta, em suas redes, que as mulheres negras sofrem violência de gênero e raça, e que essa prática não pode ser naturalizada. .
A vereadora Bruna Rodrigues, de Porto Alegre, comenta sobre a violência política de gênero e conta sobre um episódio que aconteceu com alguns colegas vereadores que a disseram que este problema era dela, referindo-se a luta contra a VPG.
“É um problema nosso, quando não nos vemos nos espaços de poder. É um problema nosso, quando as mulheres chegam na política e são constantemente atacadas, silenciadas e sexualizadas. É um problema nosso, quando as diversas manifestações de machismo nos amedrontam. É um problema nosso, quando a violência política de gênero é apenas uma das mais diversas formas de violência contra a mulher! Então denuncie”, realça a vereadora.
Vanessa Portugal, membro da diretoria do Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte- SindRede-BH, conta que sempre vive situações de ataques políticos por parte dos governantes, vereadores e, às vezes, pessoas do próprio movimento. Ela explica, entretanto, que todas as vezes que algo acontece é discutido coletivamente, com a categoria, no âmbito da diretoria da entidade, ou em um coletivo que integra as ações .
Vanessa explica que as formas de tratar as agressões são diversas, desde a denúncia pública e a denúncia nos órgãos competentes. Mas o mais importante, para ela, são as respostas que devem sempre ser coletivas, visto que as agressões, mesmo quando direcionadas a uma pessoa, são sempre coletivas.
“Agressões não devem ser aceitas em nenhuma hipótese e denunciadas sempre coletivamente, inclusive com ações de constrangimento coletivo”, enfatiza Vanessa.
A PL 5.613/2020
Em 13 de julho deste ano, o Projeto de Lei 5.613/2020 , proposto pela deputada Rosângela Gomes (Republicanos-RJ), foi aprovado no Senado, por unanimidade. Em 08 de Agosto, a lei foi sancionada pelo Presidente Jair Bolsonaro.
O projeto, que combate a violência política contra a mulher, considera violência toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos das mulheres, não apenas durante as eleições, mas no exercício de qualquer função política ou pública. Também serão punidas práticas que depreciem a condição da mulher ou estimule sua discriminação em razão de gênero, cor, raça ou etnia.
O PL proposto pela senadora inclui diversas mudanças no Código Eleitoral, que irão assegurar que as mulheres na política possam ser respeitadas e valorizadas como qualquer outro cidadão.
As principais mudanças incluem a proibição de propaganda eleitoral discriminatória contra a mulher. Desta maneira, fica determinado que as autoridades competentes devem priorizar o exercício imediato do direito violado, dando importância às declarações da vítima e aos indícios. Outra mudança refere-se à pena em caso de divulgação de notícias falsas, que atualmente é de 2 meses, mas será agravada .
O PL inclui, no código, crimes contra a honra, com um artigo que pune quem assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo, utilizando-se de menosprezo ou discriminação à condição de mulher, com a finalidade de impedir ou de dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo. A pena para este crime é de um a quatro anos de reclusão e multa.
O projeto ainda contempla mudanças nos partidos políticos, modificando a lei 9.096, de 1995, a fim de estabelecer que os estatutos dos partidos devem trazer normas para prevenção, repressão e combate à violência política contra a mulher. Assim, os partidos terão 120 dias, a partir do dia da publicação da lei, para adequar seus estatutos.
A senadora Leila Barros (PSB-DF), após a finalização da votação, agradece a aprovação e afirma que este projeto é um avanço na tentativa de barrar esses dados inaceitáveis (referindo-se ao levantamento feito pela Folha de S. Paulo) contra as mulheres na política.
“Qual é a mulher na política que não sofreu algum tipo de constrangimento, de ameaça, de humilhação? Eu experimentei isso e certamente as outras 11 senadoras, em algum momento na sua trajetória política, experimentaram. A gente precisa encorajar as mulheres. Muitas vezes, nós não entramos para a política justamente por causa desse jogo baixo, que coloca em xeque a nossa honra, a nossa história. Isso é muito desleal! É um jogo sujo que a gente sabe que é real”, lamenta.