Entre as influências midiáticas e a transformação da indústria de relacionamentos, multiplicada na velocidade da luz, encontrar a “metade da laranja” vira um desafio que atrai usuários do mundo inteiro.
Por Rafael Alef, aluno do 3º período de Jornalismo
Pedir um delivery da comida favorita, abrir uma conta em banco e até solicitar um carro para otimizar o tempo em transporte. Hoje, faz-se tudo isso com a ajuda da Internet.
Viver na era digital pode ser uma verdadeira fantasia, em que as novidades tecnológicas se multiplicam a todo momento. Mas isso se aplica aos relacionamentos afetivos? Julgando pela popularidade de aplicativos de paquera, como Tinder e OkCupid, pode-se dizer que sim.
Em meio às várias funções que facilitam a busca por um par ideal, compartilhamos as melhores fotos, nossas músicas preferidas e algumas palavras-chave até que, em um simples clique, alguém se transforma em “possível interesse”.
O processo é divertido e auxilia os mais tímidos antes do primeiro date cara a cara, mas também aumenta o encontro com personas irreais. Segundo uma pesquisa realizada pelo aplicativo de relacionamentos Happn, 51% dos brasileiros mentem na Internet, desde hábitos pessoais até à idade e altura.
No entanto, entre histórias de sucesso e fracasso, a fidelidade dos usuários continua, mas qual é a realidade dos relacionamentos contemporâneos que começaram no mundo virtual?
Contos de fada virtuais
A enfermeira Camila Monteiro Byrne, natural de Brumadinho, município de Minas Gerais, planejou um intercâmbio para fora do país por um tempo, e em 2018 embarcou pela primeira vez para a Irlanda. Depois de morar em Belo Horizonte por alguns anos, Camila pretendia se familiarizar com a língua inglesa através de um curso internacional, e eventualmente retornar ao Brasil para uma pós-graduação.
Ao chegar no país, recebeu algumas recomendações a respeito de aplicativos de relacionamento e resolveu utilizar o Tinder para praticar o inglês e fazer conexões sem grandes intenções. A experiência de viver em outro país e conhecer culturas diferentes pode ser intimidadora, já que as conexões, em sua maioria, ainda serão construídas e o processo pode ser solitário.
“Quando me cadastrei no app, coloquei na cabeça que seria somente para praticar a língua e me divertir. Cheguei na Irlanda de paraquedas e inicialmente não buscava por um relacionamento”, relembra Camila.
Entre alguns likes despretensiosos, a enfermeira conheceu Glen, e o que começou com encontros monitorados por uma amiga, a distância, se transformou em um relacionamento duradouro de quase três anos. Entretanto, a história digna de um conto de fadas quase não aconteceu. Camila chegou à Irlanda desacreditada em relação aos encontros pela Internet, principalmente pelas experiências que vivenciou no Brasil com matches mentirosos e as diferenças entre virtual e realidade.
“Acredito que tudo depende do que você se propõe a fazer no app, porque são experiências individuais. A minha deu certo, mas também passei por algumas situações desagradáveis”, explica.
Um estudo liderado por Samantha Joel, doutora em psicologia e professora da Universidade Western Ontario, analisou cerca de 11.000 casais para explorar o que faz um relacionamento bem-sucedido. O principal resultado é que, muito além da compatibilidade nas preferências pré-estabelecidas, o mais importante para construir uma relação saudável e duradoura é a forma como você se relaciona com o próximo.
Para o casal Emmanuel Schleich e Matheus Urias, a teoria do estudo se aplica. Os dois também se conheceram pelo aplicativo Tinder e estão juntos há seis anos. Na época da primeira conversa, com 15 e 18 anos, respectivamente, a identificação foi instantânea e a proximidade de moradia em Belo Horizonte levou ao primeiro encontro em menos de 24 horas após o match.
“Eu era bem tímido e algumas amigas me aconselharam a não ir, mas nos encontramos em um local público e a conversa fluiu naturalmente”, relembra Emmanuel.
O relacionamento teve um início intenso com uma constante troca de mensagens e informações, algo corriqueiro para quem usa a Internet, mas que acabou apressando algumas etapas no início da relação. A pressão para manter o encanto virtual levava a atitudes como mentir sobre o interesse por determinados assuntos e esconder traços de personalidade julgados como pouco atraentes entre homens gays.
“Com a Internet, criamos uma intimidade muito rápido. Eu já conhecia esse ambiente de chats virtuais pelos fakes do Orkut, mas ainda tinha uma cautela em ser 100% verdadeiro”, explica Matheus.
Seis anos depois da primeira troca de mensagens, o casal vive uma realidade diferente, agora em Uberlândia, município de MG. A mudança aconteceu no período de isolamento social e foi motivada por novas oportunidades de trabalho e um encontro com a religião Omolocô. Entre a construção do primeiro lar juntos e os planos para o futuro, Emmanuel e Matheus acreditam que a relação foi construída aos poucos e que ambos cresceram juntos com os obstáculos e desafios do processo.
“Muitas pessoas se surpreendem quando descobrem que nos conhecemos pelo aplicativo e ainda estamos juntos”, destaca Emmanuel.
O flerte fora da Internet
Conhecer pessoas através da Internet também pode ser desgastante. Com a quantidade de aplicativos e usuários conectados, esse processo é automatizado, mas pode soar impessoal. De acordo com uma pesquisa realizada pela plataforma de relacionamentos The Inner Circle, 52% de 1.100 brasileiros entrevistados estão em busca de um relacionamento sério. A maioria circula pelos principais aplicativos, mas existem outras possibilidades para quem quer encontrar a sua cara metade.
Para aqueles que não se adaptaram ao flerte virtual, entram as agências de relacionamento, muito populares fora do Brasil e que ofertam uma maneira diferente de conhecer possíveis interesses românticos. Há 26 anos, a pedagoga Sheila Chamecki Rigler fundou, em Curitiba, a agência de namoro e casamento Par Ideal, especializada na consultoria de relações humanas. Com mais de 5.000 casais que se conheceram através da empresa, Sheila acredita que a ética e a descrição foram essenciais para a credibilidade do negócio.
“O curitibano é mais reservado mesmo, mas o nosso objetivo sempre foi ajudar essas pessoas a encontrarem alguém e serem felizes”, explica Sheila.
A Par Ideal chegou ao mercado após pesquisas de um consultor especializado, que buscou entender os modelos de negócio utilizados nas empresas do segmento no exterior. Atualmente, Sheila é responsável pelo processo de entrevistas com novos cadastrados, que posteriormente são encaminhados ao psicólogo da empresa. A pedagoga aproveita o período de avaliação para identificar o que o possível pretendente realmente precisa.
“Quando um cliente chega com muitas exigências e demonstra alguns sinais de que pode não estar bem consigo mesmo, recomendo um acompanhamento psicológico e prefiro não cadastrar”, pontua.
A percepção das reais intenções quando se fala em relacionamento afetivo é essencial para evitar desencontros e possíveis decepções. Para o casal Roseli e André Luiz de Carvalho, idealizadores da Agência Par – Namoro e Casamento, essa foi uma das motivações para desenvolver um trabalho ético e responsável. Com mais de 20 anos de mercado e inúmeros casos de sucesso, a empresa tem como prioridade a transparência de informações e a celebração do amor de forma segura.
“Existem muitas pessoas mal-intencionadas e por isso valorizamos esse processo de curadoria e confirmação de informações para fazer as melhores conexões entre os clientes”, explica André.
O trabalho desenvolvido pela agência – inicialmente voltado para Marilia, município do estado de São Paulo – virou coluna de dicas em jornal local, rendeu peça de teatro e eventualmente chegou até o exterior. Roseli, que se considera um cupido desde a infância, acredita que a tecnologia é uma aliada para esse processo já que, atualmente, os futuros pretendentes são incentivados a investir em uma conversa virtual antes do primeiro encontro. Para ela, essa conexão pode deixar as pessoas mais confortáveis e levar a uma relação saudável.
“Eu converso com as mulheres e o André com os homens, e durante essa orientação percebemos que as pessoas valorizam mais os relacionamentos atualmente”, reflete Roseli.
Imediatismo e aceitação líquida
Durante o período de isolamento social, decorrente da pandemia de Covid-19, a população global vivenciou com frequência o estado de carência emocional, e com os limitados encontros presenciais, grande parte ficou emocionalmente fragilizada. De acordo com um estudo realizado pela Leo Burnett Tailor Made, em parceria com o Instituto MindMiners, 60% dos entrevistados aumentou o uso das redes sociais para manter as relações interpessoais e 80% acredita que o mundo pós-pandemia será completamente diferente.
Para o publicitário belo-horizontino Thiago Santos, as redes sociais e os aplicativos de relacionamento podem ser positivos e ajudam aqueles que se sentem inseguros fora mundo virtual. Contudo, refletem a efemeridade das relações contemporâneas. Thiago teve um relacionamento passado que começou em uma conversa no aplicativo Grindr, e descreve a experiência como saudável e natural, mas acredita que atualmente é mais complicado criar conexões verdadeiras.
“É aquela coisa da modernidade líquida, hoje ficamos com uma pessoa em um dia e depois não nos falamos mais”, reflete.
De acordo com a psicoterapeuta Leticia Novaes, integrante do Portal SerPsi – dedicado ao atendimento daqueles que buscam apoio psicológico de forma acessível -, as conexões afetivas podem sofrer com o imediatismo em busca de aceitação e amor. As ferramentas de mídias sociais funcionam como uma vitrine, e nesse espaço surge a necessidade de se comparar e ser aceito. Essa ação muitas vezes contribui para a falta de compreensão do próprio eu antes de se conectar com o próximo.
“É preciso ter uma maior apropriação de quem realmente somos e do próprio eu. Quando entramos nesse processo de autoconhecimento, o outro também nos conhece melhor e isso potencializa o contato com a nossa essência”, explica Leticia.
A psicoterapeuta também destaca como os relacionamentos contemporâneos se transformam com a comunicação virtual das mensagens de texto e áudios rápidos. A atenção voltada somente para os interesses próprios limita algumas relações e pode impactar até o mundo offline.
“Percebo algumas dificuldades na comunicação em encontros presenciais, algumas pessoas se sentem mais à vontade pelo virtual e quando se encontram têm conversas rasas e com baixo interesse”, reflete.