Muitas marcas reafirmam a importância de se aceitar e se amar. Mas existe uma incoerência por parte dessas empresas quando citam a inclusão de pessoas “fora do padrão” nos seus discursos e as excluem na hora de vesti-las.
Por Glycia Vieira, aluna do 8° período de Jornalismo do UniBH
Durante toda minha vida odiei ir ao shopping. Passar horas olhando centenas de roupas nunca foi meu passatempo favorito. A paciência que muitos têm, e eu admiro, em entrar nas lojas e experimentar diversas peças, infelizmente não combina comigo. Poderia dizer que nasci com essa falta de interesse por compras (o que seria ótimo para minhas economias), mas a verdade é que fui ensinada. E da pior forma.
Quando mais nova, comprar roupas era frustrante. A calça mais bonita da loja quase nunca servia. “Experimenta! Vai dar certo”, era o que todas as vendedoras diziam e, como já era de se esperar, não cabia. Quando tinha a sorte de encontrar uma peça maior, era daqueles modelos que me deixariam com a aparência de, no mínimo, 10 anos mais velha. Em certos momentos, eu até dizia que não gostava de algo, porque já sabia o final daquela história. E foi assim por muito tempo.
Não me lembro exatamente quando foi que eu comecei a vestir roupas que me serviam perfeitamente e que eu gostava, que combinavam com meus gostos e com quem eu era. Mas foi um alívio! Encontrar peças confortáveis, da moda, que me aparentavam uma imagem jovem era como estar em um conto de fadas, mas, como nada é perfeito, algo tinha que destruir o meu “felizes para sempre”: o preço.
As roupas lindas, estilosas, confortáveis e jovens custavam, pelo menos, duas vezes mais caras do que as mesmas roupas em tamanhos menores. “Usa mais tecido”, “Dá mais trabalho para fazer”, é o que alguns dizem. Eu até concordaria com essas afirmações, se eu não estivesse comprando em lojas de departamento. Lojas que são conhecidas nacionalmente, com milhares de clientes diários e que criam coleções todos os meses.
Recentemente descobri a Shein. Uma fast-fashion chinesa que atraiu, durante a pandemia, influenciadores por todo o mundo. Com um acervo de roupas que são tendências da moda e oferecendo um preço que, de primeira, te faz até desconfiar da veracidade, a marca fabrica roupas que vão do PP ao 6XL. Como dito, de primeira desconfiei do site e assisti inúmeros vídeos de blogueiras que compraram da loja. Os feedbacks, em sua grande maioria, eram positivos, mas um título me chamou a atenção: “motivos para não comprar na Shein”. Entre os pontos destacados, um deles era sobre como os preços baixos poderiam influenciar as pessoas a comprar descontroladamente. “Quanto mais baratas as roupas são, mais o público quer comprar”, dizia.
Pessoalmente, acredito que a problematização que algumas pessoas fazem da Shein, ou de qualquer outra loja que possa influenciar nessa grande demanda, é resultado de um privilégio. Privilégio de quem sempre encontrou roupas que lhe serviam, de quem sempre pagou um preço justo pelas peças, de quem conseguiu vestir o que queria e quando queria, de quem poderia pagar mais caro em uma roupa exclusiva ou de grife, de quem não precisava ir nas lojas com dias ou até meses de antecedência para garantir algo legal para vestir em algum evento, de quem nunca precisou comprar uma roupa que não gostava só pra não ficar sem. Não é assim para todos. Não foi assim para mim e ainda não é.
Não é todo dia e nem em toda loja que encontro roupas para o meu corpo e para o meu gosto. Ainda que, atualmente, as fast-fashion mais conhecidas do país já estejam fabricando peças em números maiores, continuam não atendendo a todos. Ora pelo preço, ora pelos tamanhos. E é exclusivamente dessas lojas, que conseguem produzir em grande quantidade e variedade, que devemos cobrar. Será mesmo que essas marcas não têm condições de fabricar roupas maiores? E por que as peças maiores não podem ter um valor acessível, assim como as de tamanho considerado padrão?
Muito se fala sobre aceitação, sobre a liberdade corporal, sobre o movimento body positive, e muitas dessas marcas reafirmam a importância de se aceitar e se amar. Mas existe uma incoerência por parte dessas empresas quando citam a inclusão dessas pessoas nos seus discursos e a excluem na hora de vesti-las. Nós queremos ser vestidos não apenas nas propagandas que tratam da diversidade. Queremos entrar nas lojas e encontrar peças que nos agradem, queremos experimentar roupas que nos caibam. Queremos visitar os sites e ver coleções que nos atendam, queremos pagar por preços que consideramos justos. E isso não é pedir demais. Isso é o básico. O básico que tantos têm acesso – e aqui mais uma vez estamos falando de privilégios -, mas que não atende vários outros.
Enquanto isso não acontece, vamos continuar desejando e consumindo daquelas que aparecem nas nossas telas e que criam categorias exclusivas para nos atender. Daquelas que confeccionam tendências e se lembram de nós. Enquanto isso, vamos continuar cobrando das fast-fashion brasileiras por variedade na fabricação. A Shein é só uma.
Queremos nos ver em outras. Queremos nos ver em todas