Vivendo com o inimigo

  • Cultura
  • Sociedade
Entenda como ambientes familiares tóxicos podem trazer consequências mentais e físicas para a saúde das vítimas.

Por Amanda Ferreira, aluna do 7º período de Jornalismo

É muito comum ouvirmos que qualquer atitude dos nossos familiares é aceitável, afinal, são nossa família, quem nos criou e nos deixou um legado. Mas, até que ponto essa relação é saudável? Como saber quando as situações ultrapassam o que é considerado normal?

As nossas primeiras experiências de vida acontecem no seio da família. É ali que crescemos e formamos nossa visão de mundo, com nossas crenças a respeito da vida, das pessoas e de nós mesmos.

Tais experiências são essenciais no desenvolvimento da personalidade e na formação do caráter de cada indivíduo, bem como no comportamento e nas escolhas da vida adulta. Mas, cada vez mais aqueles que deveriam fornecer apoio e segurança, têm prejudicado e desestimulado.

Ambientes Familiares Tóxicos

Segundo a psicóloga Isabella Trindade, tóxico é o termo popular que tem sido utilizado para se referir a relacionamentos que, de alguma forma, trazem uma carga negativa ou prejudicial para o individuo.

‘’Podemos dizer que um ambiente familiar é tóxico quando ele tolhe ou impede o desenvolvimento normal do indivíduo, em especial da criança ou o adolescente.  Ou seja, quando o ambiente não possibilita a segurança que ele precisa para se desenvolver em equilíbrio e com saúde’’, afirma Isabella.

Embora todos os tipos de maus-tratos tenham consequências devastadoras na vida das vítimas, é importante lembrar que o abuso moral pode ser tão grave quanto a violência física.

Lar doce lar?

Em qualquer relação humana existem conflitos e desavenças, afinal, são pessoas diferentes convivendo umas com as outras. Entretanto, alguns sinais podem alertar para o fato de que algumas situações vividas no âmbito familiar ultrapassam limites.

“Todos os sonhos que eu tinha, ele não se importava e tentava me diminuir. Passei no vestibular, mas não era um uma universidade federal, escolhi minha profissão, mas não era medicina. Ele sempre queria mais, nunca era o suficiente”, relata a estudante de educação física, Lívia*, de 21 anos, que não quis se identificar, sobre o relacionamento conturbado com seu pai.

Lívia conta que a falta de apoio por parte de seu pai era comum. “Sempre que chegava em casa com um problema, independente do ocorrido, eu sempre era vista como errada. Minha opinião não valia, como eu me sentia não era a prioridade, eu tinha que entender que o que acontecia, no final das contas, era culpa minha’’, relatou a jovem.

‘’Nem sempre essa “toxidade” estará clara. Muitas relações disfuncionais na família são alimentadas por crenças socialmente aceitas. É importante questionar tais crenças e olhar com clareza para as dinâmicas vividas na família, se elas promovem desenvolvimento ou se adoecem e paralisam o indivíduo’’, explica a psicóloga Isabella.

A médica psiquiatra, Katia Mathias, ainda pontua que a violência psicológica traz consequências não só para a saúde mental, mas para saúde física da vítima.

‘’Os maus-tratos podem causar problemas como depressão, ansiedade, fobia social, estresse pós traumático e até pensamentos suicidas. Também podem afetar o corpo provocando alterações no sono, distúrbios alimentares, abuso de álcool e outras substâncias. Além disso, as relações interpessoais do indivíduo são afetadas. São sequelas para o resto da vida’’, explica a médica.

A origem do mal

O caso de Lívia não é o único, e existem pesos diferentes em cada relação familiar tóxica.

Isabella explica que, muitas vezes, os pais não podem oferecer aos filhos o que eles mesmos não receberam. Portanto, os fatores que contribuem para a formação de famílias disfuncionais são de ordem biopsicossocial e envolvem: história pregressa da família, como dores e feridas emocionais passadas de geração a geração, personalidade e adoecimento psíquico dos pais/cuidadores e falta de acesso a informações e orientações.

‘’Ele sabia que eu e minha mãe dependíamos dele financeiramente, e utilizava disso para fazer e falar o que desejava. Minha mãe nunca teve acesso às contas nos bancos. Ele tomava conta de tudo. Quando falávamos algo que ele não gostava, ou discutíamos, ele usava o dinheiro para nos ‘’punir’’, lamenta Lívia. “Uma vez discutimos e ele parou de me dar dinheiro para pegar ônibus para assistir às aulas’’.

Isabella ainda explica que algumas famílias são mais eficazes do que outras em atender às principais necessidades que um jovem precisa para se desenvolver de forma equilibrada e se tornar um adulto fortalecido, como afeto, sensação de pertencimento, senso de autonomia e competência, limites realistas e direito de se expressar emocionalmente.

Quando muitas dessas necessidades não são atendidas, o desenvolvimento do indivíduo pode estar comprometido, observa a psicóloga.

Como sair do ciclo vicioso?

Um ambiente familiar tóxico pode contribuir para que o indivíduo desenvolva uma visão distorcida ou negativa de si mesmo e da vida.

“Nesse sentido, um processo terapêutico e de autoconhecimento pode ser fundamental para que a pessoa possa analisar suas heranças emocionais, aprender a questioná-las e a desenvolver formas mais leves e saudáveis de estar na vida. A história familiar pode ter um peso em nosso passado, mas ela não precisa definir o nosso futuro”, esclarece a psicóloga.

*O nome foi trocado para preservar a identidade da jovem.



0 0 votes
Article Rating
Subscribe
Notify of
guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments