Turismo com fronteiras fechadas

Setor que mais cresceria no Brasil em 2020, agora prevê recuperação da crise causada pelo novo coronavírus apenas em 2023.
Por Beatriz Fernandes e Letícia Sudan – 4º e 5º período de Jornalismo do UniBH
O setor turístico, responsável por 3,71% do PIB (Produto Interno Bruto) nacional, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), estava em ascen-são, sendo considerado o setor que mais cresceria no Brasil em 2020. Entretanto, assim como o setor cultural, foi um dos primeiros a sentir o baque do isolamento social, com fronteiras aéreas e terrestres fechadas e viagens e grandes eventos cancelados.
Uma pesquisa feita pela FGV Projetos mostra que, considerando o período de 3 meses de isolamento, a recuperação do setor durará 12 meses no âmbito nacional e 18 meses no âmbito internacional. Ainda assim, o valor aproximado de R$ 116,7 bilhões em perdas, se comparado ao ano de 2019, só começará a ser efetivamen-te recuperado em 2023. Para isso, o setor precisará crescer 16,95% ao ano em 2022 e 2023, o que não é tarefa fácil.
Aqui em Minas Gerais, por exemplo, cidades históricas que têm o turismo como principal gerador de renda, como Diamantina, Ouro Preto e Tiradentes, foram pro-fundamente afetadas. Diamantina, por exemplo, disponibilizou uma pesquisa no site da prefeitura para quantificar o impacto para as mais diversas áreas do turismo. As perguntas, abertas para a contribuição da população, vão desde previsão de receita anual até sugestões de ações para empreendimentos turísticos e/o para o poder público municipal tomarem em função da pandemia de COVID-19.

Os grandes eventos

Em Tiradentes, o Festival de Fotografia, que aconteceria logo no início da pande-mia, entre os dias 18 e 22 de março, teve que ser cancelado. O fotógrafo e produtor cultural do evento, Eugênio Sávio, afirmou que a decisão pelo adiamento foi tomada antes mesmo do decreto oficial da prefeitura. A princípio, a organização optou por não remarcar o evento presencial.
Porém, seguindo a agenda orientada pelo Conselho Municipal de Turismo de Tira-dentes, o festival tem previsão para acontecer em setembro. Eugênio conta que, em relação à segurança, se sente confortável com a data proposta, mas teme pela baixa adesão do público e também, agenda de convidados e palestrantes. Além disso, o produtor explica que a escolha pelo mês de março para a realização do evento tem uma estratégia econômica, já que se compreende entre o Carnaval e a Semana San-ta. Dessa maneira, a cidade está mais vazia, possibilitando maior conforto para os viajantes e contribuindo para o turismo local em um período que, a priori, estaria sem movimento.
O festival, segundo a Prefeitura de Tiradentes, atrai um público médio de 8 mil pessoas durante os 5 dias de sua realização. A estrutura organizacional do Festival de Fotografia conta com cerca de 50 funcionários diretos e 15 contratados pontuais, como organizadores, produtores locais e arquitetos.
“A gente imagina que, fazendo o evento em setembro, o público será menor do que seria em março. São cenários para os quais a gente ainda não tem resposta. O cená-rio que eu imagino é esse: uma adaptação com menos palestras, uma programação menor, etc”, aposta Eugênio.
Ao ser perguntado sobre a possibilidade de migração do conteúdo para uma reali-dade virtual, o produtor confessa que não pensam como primeira saída, porque, para ele, “a experiência Tiradentes é muito forte, não é só você assistir uma palestra. Mas é assistir, depois caminhar pela cidade, desfrutando da natureza do entorno. Todo esse conjunto de oportunidades faz parte do conteúdo do evento.” Ele contou que a medida virtual que tomaram foi ativar mais as redes sociais do festival, com conteúdos de edições passadas e lives.
A Bienal Mineira do Livro, que aconteceria entre os dias 22 e 31 de maio, no BH Shopping, região Sul de Belo Horizonte, também teve sua data adiada para setembro. Levando em consideração o número de parcerias e escolas que confirmaram presença no evento, o público esperado era de 200 mil pessoas nos 10 dias de Bienal. Só das escolas públicas, já havia confirmação de 50 mil alunos. Além disso, a organização optou por disponibilizar a gratuidade do evento para 60% do público.
Como alternativa, a organização também elaborou um conteúdo online, que chama-ram de Bienal Mineira do Livro em Casa. A primeira versão aconteceu em abril, como um teste, mas com o atual cenário, substituiu o evento físico.
“A gente investiu em uma plataforma digital e criamos uma vitrine dos livros dos nossos expositores. Então, aqueles que adquiriram estandes na bienal presencial puderam expor seus livros. Aqueles com estandes maiores, mais livros, e aqueles com estandes menores, menos livros”, contou Marcos Ferreira, Diretor Geral da Bienal Mineria do Livro.
Marcos revela que a aceitação do público foi grande, por isso, pensam em transformar essa alternativa em algo permanente na programação da Bienal, mesmo após a pandemia. A plataforma atraiu olhares de investidores que pretendem firmar parcerias para venda de livros. Além disso, por meio de uma parceria com o programa Eu Faço Cultura, patrocinado pela Caixa Econômica Federal, a plataforma da Bienal foi vinculada ao programa e, hoje, comemoram um número expressivo de mais de 2500 livros distribuídos gratuitamente para todo o Brasil.
“O público principal são pessoas com deficiência, idosos e microempreendedores. Eles fazem o cadastro, recebem um cupom e escolhem os livros. Então, os nossos expositores entregam gratuitamente, na casa dessas pessoas e entidades, e ainda recebem por isso”, destaca Marcos.
Com o trabalho em equipe de 12 a 14 horas por dia, e sem acesso a crédito e fi-nanciamento, Marcos acredita que a iniciativa conseguiu dar uma resposta muito consistente com aquilo que tinham em mãos. Prova disso é que, antes da pandemia, a equipe era composta por 10 funcionários. Hoje, são 12 profissionais contratados em razão da grande demanda online.

Setor hoteleiro

Antes do isolamento social, o cenário era otimista para a capital mineira, pois havia sinais de recuperação no setor hoteleiro. Entretanto, esse início de superação de crise precisou ser adiado. O Diretor de Políticas de Turismo e Inovação da Belotur – Em-presa Municipal de Turismo de Belo Horizonte, Marcos Boffa, contou que tinham um planejamento e que foram obrigados a repensá-lo em função da queda de arrecada-ção do município.
“Estamos trabalhando toda hora em um cenário diferente. É uma crise mundial e a gente tem que se ajustar a ela. Certamente, vai ter um impacto sobre o nosso planejamento, mas não quer dizer que não vamos tentar viabilizar o máximo de coisas possíveis, ainda mais nesse momento em que o setor do turismo precisa de todo apoio necessário. O que mais queremos é ver a cidade retomando o processo em que se encontrava”, afirma Marcos Boffa.
Em Ouro Preto, outra cidade histórica de Minas Gerais que, antes da pandemia tinha um grande fluxo de turistas de todo o mundo, o setor hoteleiro também ficou bastante prejudicado. Paulo Lemos, dono da pousada “Casa do Chá Ouro Preto”, contou que as reservas de abril, maio, junho e julho estavam praticamente fechadas, mas que foram canceladas assim que a pandemia começou. Dessa forma, foi inevitável dispensar os seus funcionários, por mais que tenha tentado segurar ao máximo.
“A princípio, muitos hóspedes tentaram mudar a data, mas na medida que as informa-ções foram ficando mais precisas, cancelaram. Até porque, muitas pessoas vinham a Ouro Preto, de março a julho, para as formaturas dos alunos da Universidade Federal de Ouro Preto e, com o cancelamento das formaturas, o cancelamento das reservas ficaram mais evidentes”, disse Paulo Lemos.

Mudança de planos

Como iniciativa de fomento ao turismo local e nacional, principalmente em razão da pandemia, campanhas como #NãoCanceleRemarque e #OBrasilEsperaPorVocê, do Ministério do Turismo, mostram incentivo não só para o local de destino dos turistas como para o setor em geral. A turismóloga Isabella Guerra, de 31 anos, expressou sua opinião a respeito da projeção da área após a pandemia dizendo que “com as moedas estrangeiras em alta, o turismo nacional pode vir a ganhar força, e o Brasil, talvez, seja, o principal destino escolhido pelos brasileiros.”
Isabela Guerra foi diretamente afetada pela pandemia não somente por atuar no setor como turismóloga e escritora de livros de viagens, mas como turista. Antes de ser decretado o fechamento das fronteiras aéreas e terrestres, a turismóloga estava viajando pelas Filipinas com o marido. Como o quadro de pandemia ainda não havia se alastrado pelo mundo, estando concentrado na China e começando a chegar à Europa, o planejamento de viagem não havia sido afetado e os voos estavam todos mantidos. Ela conta que, faltando apenas 3 dias para o retorno ao Brasil, a situação mundial começou a mudar drasticamente, fechando aeroportos nacionais e internacionais. O casal ficou preso em uma das ilhas das Filipinas até conseguirem ir para a capital, Manilla.
A turismóloga conta que, entre contatos com a Embaixada Brasileira e o Departa-mento de Turismo das Filipinas, a viagem durou 30 dias a mais que o programado.Enquanto um casal “sofreu” por estar preso em seu destino de viagem, outro sofreu por não poder embarcar. É o caso do advogado Júlio César Máximo, de 38 anos, e da fisioterapeuta Ruana Máximo, de 31, que embarcariam para uma eurotrip no dia 18 de maio. Em conversa com a redação, o casal contou como foi o processo de re-marcação da viagem para setembro.
“Nós viajaríamos dia 18 de maio, fechamos tudo em fevereiro. Se tivéssemos parado para refletir, pela China ter uma relação comercial aberta com vários países, era ine-vitável que isso acontecesse. Basicamente, por não vermos o reflexo desse vírus em outros lugares, acabamos fechando a viagem. Aí, acabou que não deu para viajar e começou a maratona para resolver a situação”, explicou Júlio César.
O casal contou detalhadamente sobre complicações que tiveram na remarcação das estadias, por exemplo, e como estão lidando com as incertezas ao remarcar a viagem para setembro. Para conferir a conversa na íntegra, acesse aqui:


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